TOYOHASHI, JAPÃO (FOLHAPRESS) – O relógio olímpico Omega instalado nos arredores da icônica estação de trem de Tóquio chegou nesta terça (22, quarta no Japão), enfim, à marca de 30 dias para o início dos Jogos.
A contagem regressiva, agora breve, vem paulatinamente dissipando a névoa de incerteza que rondou a realização desta Olimpíada desde seu adiamento histórico de 2020 para 2021 por conta da pandemia de Covid-19.
A um mês da abertura, porém, a capital japonesa ainda vive dias nebulosos, tal como o clima literal: sol entre nuvens carregadas, com chances de chuvas de verão. Moradores da cidade-anfitriã se dividem entre manifestações, críticas e uma tímida atmosfera pré-festa olímpica.
“Agora que a ficha começou a cair para todo mundo”, conta o piloto paulistano João Paulo Oliveira, 39, conhecido como JP, campeão do Super GT 300, desde 2004 radicado no Japão.
“‘Será que a Olimpíada vai acontecer?’ foi a questão que marcou todo o último ano. A impressão atual é ‘agora, vai'”, diz JP, cujo círculo de amigos tem expectativas positivas sobre os Jogos. “Como fãs de esporte, sempre queremos ver a performance de atletas no nível máximo.”
JP também pratica ciclismo, como parte do treinamento físico para as pistas de automobilismo. Diariamente, pedala nas ruas de Tóquio e às vezes treina nas montanhas ao redor do Monte Fuji, onde vão ocorrer as provas olímpicas.
O piloto da F-Nippon pretende assistir às competições em sua casa, na capital, mas confessa que tem um fio de esperança de conseguir um ingresso de última hora para ver as disputas de ciclismo e atletismo mais de perto.
Fora da bolha atlética, a cidade está mais dividida, pondera JP, e a maioria não vê com bons olhos a Olimpíada na pandemia -segundo enquete mais recente, mais de 86% da sociedade japonesa gostaria que o evento fosse cancelado ou adiado pela segunda vez.
O publicitário português César Augusto, 38, também destaca um mix de impressões. “Os Jogos vão acontecer, mas, para ser sincero, não há clima olímpico”, diz o diretor criativo da UltraSuperNew, agência de publicidade na capital que está trabalhando em campanhas relacionadas à Tóquio-2020.
Segundo ele, empresas desistiram de projetos por estarem inseguras, pensando na possibilidade de ter um boom de casos de Covid-19 pós-Jogos.
“Mas minha opinião é ligeiramente diferente: penso que se há um país no mundo com condições de realizar os Jogos é o Japão. Se há condições, o melhor é aproveitar o momento e lembrar dos valores olímpicos, celebrar a diversidade e a alegria.”
Entretanto, é difícil encontrar ares alegres até no movimentado distrito de Shibuya, em Tóquio. A poucos passos da estação de Shibuya, no bar do empreendedor japonês Go Shukuguchi, 46, a expectativa tampouco é das melhores: “Todo mundo está desanimado”.
Neste domingo (20), o governo encerrou o estado de emergência que estava em vigor desde abril em Tóquio e outras províncias.
Vale agora um quase-emergência, que inclui restrições para bares, nos quais os frequentadores podem beber sozinhos ou ao lado de só um acompanhante durante 90 minutos. Não há happy hour mais longo: não é permitido servir álcool após as 19h.
No último domingo (20) se espalhou a notícia de que um dos integrantes da delegação olímpica de Uganda testou positivo para Covid-19 -esta é a segunda equipe estrangeira a desembarcar no arquipélago; a primeira foi a Austrália. Nesta terça, além do infectado, oito membros do time africano foram colocados em isolamento até o próximo dia 3.
“Todo mundo está assustado. Ainda há incertezas no ar: será que o governo vai conseguir controlar o vírus dentro e fora da bolha olímpica?”, questiona o produtor e consultor de viagens Roberto Maxwell, 46.
Até abril, Maxwell estava recebendo pedidos de orçamentos para viagens de outras cidades japonesas a Tóquio. Neste mês, não teve mais consultas.
“A essa altura do campeonato, a maioria se deu conta de que não dá pra viajar”, conta ele, que está ansioso para ser vacinado para poder trabalhar com mais tranquilidade na temporada -até 21 de junho, o Japão imunizou inteiramente 7% da população. “Tenho literalmente sonhado com a vacina.”
O artista japonês Kai Koyama, 45, tem outro tipo de sonho: cancelar a Tóquio-2020 enquanto é tempo. Nesta quarta estão marcadas manifestações em ao menos dez cidades japonesas. A convocatória para os atos, disponível em japonês, inglês e francês, resgata a frase de Thomas Bach, presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional), que se referiu a “sacrifícios para tornar os sonhos olímpicos realidade”.
“O que seriam ‘sacrifícios’? Um deles são as vidas perdidas por Covid-19 porque os hospitais estão lotados, pelo bem de preservar a Olimpíada, que já custou aos cofres públicos 3 trilhões de ienes (27 bilhões de dólares) mas só traz lucro para poucos políticos de elite e o big business”, diz o convite.
Os atos pretendem “apelar à comunidade internacional para não viajar ao Japão e boicotar os Jogos”, define Koyama, que espera reunir milhares de manifestantes no distrito de Shinjuku, em Tóquio.
O sociólogo John Horne, autor de “Understanding the Olympics” (Routledge, 2020) e atualmente professor visitante da Universidade Waseda, em Tóquio, também tem um olhar olímpico mais crítico.
“Os organizadores queriam resgatar um quê de romance da Tóquio-1964 [que remete à reconstrução japonesa pós-guerra]. Isso não vai acontecer”, aposta o acadêmico, especialista em sociologia do esporte e que estuda o assunto há 40 anos. “Só na imaginação do mais fervoroso defensor do ‘olimpismo’ a Tóquio-2020 de 2021 poderia ser considerada edificante ou um farol de esperança.”
Olimpismo seria um conjunto de elementos que compõem a narrativa do “espírito” dos Jogos, como um movimento ancorado em uma filosofia “além da política” -o COI, aliás, proibiu manifestações políticas nas arenas.
Para Horne, o COI tem se desenvolvido desde a década de 1980 como um “bingo” (acrônimo para business oriented international non-governmental organization, isto é, organização não-governamental internacional voltada para negócios, em tradução literal).
“Uma chave para entender a Tóquio-2020 é como o COI opera como um órgão transnacional que não é totalmente nem uma empresa nem uma agência governamental.”
As Olimpíadas, diz Horne, são criticadas como um tipo de “indústria” sujeita a interesses políticos e econômicos, além de esportivos. Para as cidades-anfitriãs, avalia, os benefícios são superestimados e os custos, subestimados.
Ainda assim, líderes japoneses não gostariam de perder a oportunidade do que ainda seria considerado o prestígio de sediar o primeiro megaevento mundial “pós-pandemia” -entre aspas, pois, afinal, a pandemia não acabou.
“A um mês do início dos Jogos, é difícil imaginar que a Olimpíada não ocorra, mas é improvável que ocorra tal como nas últimas décadas. Também é difícil prever o que poderia pará-la, além de evidências de sérios surtos de Covid-19 na Vila Olímpica”, finaliza Horne.
Números ao redor da Tóquio-2020
30 dias para a abertura dos Jogos Olímpicos
785 mil casos de Covid-19 no Japão, 22,8 mil casos ativos e 14,3 mil mortes
8,12 milhões de vacinados contra Covid-19 com duas doses (7% da população)
70 mil voluntários esperados (10 mil desistiram no último mês)
11 mil atletas de 205 nacionalidades ao longo de 17 dias entre julho e agosto
10 mil (ou 50% das arenas, o que for menor) será o público máximo permitido para assistir às competições
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