Com a recente eleição do linha-dura Ebrahim Raisi para a Presidência do Irã, as negociações do acordo nuclear podem de repente se acelerar. No entanto, por mais rápido que corram, as tratativas não devem evoluir para uma pauta mais ampla, frustrando os Estados Unidos e as potências europeias envolvidas.
A aceleração tem uma motivação pragmática. Raisi sabe que o restabelecimento do tratado de 2015, abandonado pelo ex-presidente americano Donald Trump, pode beneficiar o início de seu mandato. “As vantagens econômicas vão ser enormes e permitirão que ele comece o governo em uma linha ascendente”, diz Henry Rome, analista-sênior da consultoria Eurasia Group especializado em Irã.
Entre os benefícios a que Rome se refere estão o crescimento econômico e a diminuição da inflação. Isso porque, para o acordo nuclear voltar à vida, os Estados Unidos precisam eliminar algumas das sanções que têm sufocado o país persa. Raisi, assim, teria um auspicioso início de mandato.
Em contrapartida, o Irã precisará fazer concessões, desacelerando o programa nuclear que está na base de suas políticas interna e externa. Por isso mesmo é que o eleito pode ter pressa. A posse dele está prevista para início de agosto. Se o acordo for reativado antes disso e por ventura gerar insatisfação popular, Raisi poderá colocar a culpa em seu antecessor, Hassan Rowhani.
Era justamente Rowhani o presidente quando o acordo original foi firmado, em 2015. O Irã aceitou, à época, desacelerar seu programa nuclear. Também reduziu, por exemplo, o grau de enriquecimento de urânio, o que satisfez as potências estrangeiras que acusam o Irã de tentar desenvolver uma arma nuclear, algo que o país nega. Em troca, algumas das sanções foram removidas, dando um respiro à economia.
Isso até 2018, quando Trump decidiu retirar os EUA do acordo, afirmando que era vantajoso demais para o Irã. Analistas também sugerem que o republicano queria apagar um dos principais legados de seu antecessor, Barack Obama. Voltou a impor sanções à economia iraniana -levando Teerã a incrementar sua atividade nuclear em vez de diminuí-la. O Irã também bloqueou inspeções internacionais, gerando o temor de que esteja cada vez mais perto de enriquecer urânio ao nível necessário para uma bomba.
Segundo o jornal The New York Times, o texto do novo acordo nuclear já está rascunhado há semanas. Os negociadores, reunidos em Viena desde abril, estavam apenas à espera do anúncio do vencedor da eleição iraniana. A pista está pronta, portanto, para o impulso final. Rome afirma, nesse sentido, que a parte técnica do acordo já foi resolvida. “O que está segurando é uma decisão política de Teerã”, diz.
Uma decisão importante -e pendente- é a de renovar o acordo com a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) que permite a inspeção das instalações nucleares iranianas. O entendimento venceu na sexta-feira (25), e a agência cobrou urgência de Teerã. Escalando a tensão, Kazem Gharibabadi, o embaixador iraniano no órgão, disse que não é obrigado a responder.
O problema é que, para os Estados Unidos e as potências europeias, o Irã precisa, sim, responder. Mais cedo na sexta-feira, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, já tinha cobrado um posicionamento de Teerã. Em reunião em Paris, ele afirmou que será difícil retomar o pacto se essas conversas continuarem a se arrastar. O chanceler francês, Jean-Yves Le Drian, presente no mesmo encontro, reforçou a mensagem e disse que o impasse precisa ser resolvido. Caso não seja, é possível que a ressurreição do acordo nuclear fracasse -um desdobramento catastrófico para a diplomacia.
Ressuscitar o pacto nuclear, no entanto, não significa resolver de uma vez por todas a crise entre o Irã e as potências internacionais. O presidente eleito Raisi pode acelerar as negociações agora e logo depois de sua posse, mas a expectativa é a de que em seguida pise forte no freio.
A ideia das potências estrangeiras é que a reativação do acordo seja apenas um primeiro passo e, depois de resolvida essa primeira etapa, o Irã siga na mesa para discutir outras questões. Em especial, duas: seu programa de mísseis balísticos e o apoio a milícias na região, como a libanesa Hizbullah.
Raisi já deu sinais claros de que não tem interesse em ceder nesses pontos. Em sua primeira fala à imprensa depois da eleição, o presidente eleito disse que o programa balístico é inegociável. O iraniano também afirmou que não vai tolerar “negociações pelo prazer de negociar”.
A recusa está relacionada à visão dele de economia política, explica Rome. Raisi defende um modelo conhecido como economia de resistência, baseado no desenvolvimento de indústrias estratégicas e na diminuição das importações. Ou seja, na redução da dependência de potências estrangeiras, em especial as ocidentais. Assim, no futuro, o iraniano pode ter menos interesse nas ofertas americanas e europeias de remoção de outras sanções.
O Irã também tem pedido que os Estados Unidos ofereçam um acordo permanente, que não possa ser revertido com a troca de presidentes. Nada garante, afinal, que um eventual substituto de Biden volte atrás no que for acordado agora -foi o que aconteceu com a eleição de Trump, afinal.
O governo americano, porém, não pode prometer isso, porque precisaria do apoio de dois terços do Senado, algo impensável na atual situação na Casa. O que quer que seja decidido agora, será reversível.
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