(FOLHAPRESS) – Um novo projeto quer mapear, ao longo de um ano, todas as crianças com síndrome de Down nascidas na cidade de São Paulo. A ideia é acompanhar o desenvolvimento desses 230 bebês (número estimado pelos pesquisadores) até os três anos de idade e obter informações sobre neurodesenvolvimento, crescimento, sono, nutrição, atividade física, entre outros aspectos. A pesquisa começou na última quinta (1º).
A síndrome de Down, também conhecida como trissomia do cromossomo 21 (T21), é uma condição genética causada pela presença de uma cópia extra, total ou parcial, do cromossomo 21. Essa alteração resulta em características físicas e de desenvolvimento únicas. É o distúrbio cromossômico mais comum e uma das principais causas de dificuldades de aprendizagem em crianças. Além disso, frequentemente está associada a problemas cardíacos e gastrointestinais.
Apesar de todos os esforços, ainda falta muito para a T21 ser integralmente compreendida, o que gera lacunas na avaliação e tratamento dos pacientes. Evidência disso era a ausência, até poucos anos atrás, de uma padronização brasileira da curva de crescimento de indivíduos com a síndrome.
Ao se analisar o crescimento de uma criança com T21 dentro da referência geral, a tendência é que ela seja sempre considerada de estatura baixa com propensão ao sobrepeso. Mas, se a síndrome por si só já provoca baixa estatura, a análise se torna enviesada e até menos útil do ponto de vista do cuidado com a criança, explica Fábio Bertapelli, educador físico e pesquisador principal do estudo, além de um dos responsáveis pelas novas curvas de crescimento para pessoas com down.
O projeto é sediado pelo Instituto Jô Clemente (IJC), organização reconhecida pela defesa dos direitos e pelo diagnóstico e tratamento de pessoas com deficiência intelectual, doenças raras e transtorno do espectro autista. O projeto é apoiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), cujos recursos serão também usados na contratação de bolsistas para atuar na iniciativa. Ao todo, devem ser despendidos cerca de R$ 6 milhões.
Existem dezenas de estudos com pessoas com síndrome de Down ao redor do mundo, mas poucos deles são prospectivos, isto é, que inicia o acompanhamento de um grupo em dado momento e, conforme o tempo passa, realiza novos questionários e exames, além de incluir dados do passado. Tanto a quantidade quanto a qualidade das informações obtidas tendem a ser melhores em estudos prospectivos, embora o custo dessas pesquisas também seja muito mais elevado.
Se tudo correr conforme o previsto, a pesquisa paulistana deve ser a maior do tipo em países em desenvolvimento.
Para chegar a cada uma das 230 crianças almejadas, o recrutamento dependerá da parceria com o poder executivo, hospitais, casas de parto e unidades básica de saúde, seja a partir do diagnóstico no pré-natal, da presença das características típicas ao nascimento ou da identificação da T21 durante as consultas nos serviços de saúde. É possível ainda que os responsáveis pelo bebê preencham um formulário de interesse.
Ao todo são 25 aspectos a serem considerados, entre eles saúde pré-natal, perfil sociodemográfico, vacinação, exames, realização de terapias, antropometria, análise de atividade física, e audição e visão.
Utilizando essas informações e técnicas de aprendizado de máquina, o estudo buscará identificar níveis de funcionalidade e os principais fatores de risco e proteção para a saúde. Os dados, no futuro, poderão orientar intervenções precoces para crianças com risco elevado para complicações cardíacas ou metabólicas, por exemplo.
Ao participar do estudo, além da avaliação multidimensional da saúde, mães e bebês terão acesso a profissionais de saúde e orientações sobre cuidado, incluindo recomendações e interlocução com serviços de saúde nos quais sejam atendidos. Os custos para participação do projeto, como visitas periódicas à sede do IJC, no bairro Vila Clementino, na zona sul da capital, também serão ressarcidos.
“A abrangência de análises revela a força do estudo”, diz Bertapelli.
“Vamos avaliar, por exemplo, as dificuldades de amamentação nos primeiros meses de vida, segundo recomendação da OMS [Organização Mundial da Saúde] para o leite materno. Existe inclusive uma associação entre amamentação e ganho de pontos de QI na vida adulta.”
Além de expandir o conhecimento médico e científico, espera-se que, a partir dos achados, seja possível atualizar de forma abrangente as diretrizes nacionais sobre acompanhamento da pessoa com síndrome de Down e suas mães, incluindo, por exemplo, o estabelecimento de marcos motores, como quando a criança consegue sentar sozinha, engatinhar e andar.
Entre as dificuldades que os pesquisadores devem enfrentar está a sensibilização dos profissionais de saúde sobre a relevância do estudo para o recrutamento e contato com os participantes. Outro ponto de atenção é a dificuldade para fazer a busca ativa de gestantes e recém-nascidos para que participem do projeto. Por fim, uma vez recrutado, como em qualquer estudo do tipo, é importante garantir a participação durante o período estabelecido, ou seja, até completados 3 anos de vida.
Ainda que tenha previsão inicial de duração até 2028, a ideia é que o projeto se estenda para o acompanhamento dos participantes por mais anos, e que motive novas pesquisas, explica Edward Yang, gerente de ensino, pesquisa e inovação do IJC. “A gente quer associar novas medidas, novos marcadores. E, futuramente, até expandir para outras condições, como transtorno do espectro autista”, afirma.
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