SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Poucos dias após obter o resultado mais expressivo da carreira, o skatista Lucas Rabelo, 22, teve vontade de compartilhar o que sentia. Ele estava em Miami com a namorada, a bicampeã mundial de skate Aori Nishimura, e havia sido vice-campeão do Super Crown, a etapa final da Street League Skateboarding (SLS).
“Chamei a Aori e disse: ‘Estou quase chorando porque lembrei de onde eu vim'”, conta Lucas à Folha. “Não é fácil quando você não tem uma condição boa para viajar, competir e viver do seu sonho. Mesmo saindo de um lugar sem muitas oportunidades, consegui alcançar meus objetivos.”
Lucas Rabelo cresceu no Pirambu, bairro pobre de Fortaleza. Pôde conviver pouco com o pai, morto quando o atleta ainda era pequeno, mas é possível que tenha herdado dele o gosto pelo esporte.
A mãe contou que logo nos primeiros dias de vida do filho, quando voltaram para casa, o pai colocou o garoto no colo e subiu no skate. Sem a presença paterna no dia a dia, os aprendizados sobre as rodinhas vieram em contato com os amigos que também andavam na região.
Lucas ganhou o próprio skate aos 11 anos. Com apoio de empresários locais, começou a participar e vencer campeonatos no Ceará, o que despertou a atenção para seu potencial.
Quando ele tinha 13, o empresário Rafael Xavier foi até a casa do garoto conversar com sua família. Carregava uma proposta: levá-lo para Porto Alegre, onde teria moradia e patrocínio para fazer vídeos de skate e tentar uma carreira profissional no esporte.
“Uma criança de 13 anos pedindo para sair de casa, uma loucura, mas eu sempre tive muita certeza de que queria viver disso. Conversei com minha mãe, disse que era meu sonho e que já tinha visto as coisas acontecerem para skatistas dessa maneira”, afirma.
Autorização concedida, o adolescente ganhou a chance de vislumbrar a profissionalização e também uma segunda família no Rio Grande do Sul. Passou a morar na casa do agente e a conviver com a esposa e a filha dele. Também começou a estudar inglês e ganhava jornais para ler nas viagens de carro.
“A gente morava em Gravataí, dá meia hora [de viagem] até Porto Alegre, e ele nos dava o jornal para ler na estrada em vez de ficar só dormindo ou mexendo no telefone. Eu estava acostumado a ver sempre as mesmas coisas, relacionadas a skate. Quando pegava o jornal, abria a mente, ficava mais ligado no que estava acontecendo”, relata.
A ascensão de Lucas no esporte continuou e o levou às principais competições nacionais. Em 2018, ainda como amador, surpreendeu ao desbancar o futuro medalhista olímpico Kelvin Hoefler e vencer uma etapa do STU (circuito brasileiro).
No começo de 2019, foi convocado pela primeira vez para fazer parte da seleção brasileira, em busca da vaga nos Jogos de Tóquio. Mas não manteve a regularidade, além de ter sido atrapalhado por uma lesão no joelho, e acabou fora da convocação seguinte feita pela Confederação Brasileira de Skate.
Recuperou-se no fim daquele ano com a terceira posição no principal evento do calendário nacional, o STU Open. De volta à seleção em 2020, no meio da pandemia, ele ainda tentou correr atrás da vaga olímpica após a retomada das competições, porém não somou pontos suficientes para ficar entre os três melhores do país. Além de Kelvin, Felipe Gustavo e Giovanni Vianna foram os representantes no street.
Passada a estreia do esporte nos Jogos, as atenções se voltaram para a SLS. Lucas ainda era um novato na liga, mas conseguiu lugar entre os oito melhores para disputar o Super Crown, no último dia 14.
Na decisão do torneio, que tem o peso de um campeonato mundial, ele errou suas duas primeiras manobras. Precisaria acertar tudo dali em diante para lutar pelo pódio. “Ali eu falei: ‘Nossa, realmente estou na street league, vivendo o que eu assistia na TV’. Isso me deu uma certa pressão”, admite.
Ele conseguiu controlar as emoções e na sequência emplacou quatro manobras certeiras, que renderam ótimas notas (8,9, 8,7, 9,3 e 9,1) e o levaram para a segunda posição. Ficou atrás apenas do americano Jagger Eaton.
É ao constatar aonde chegou que sua história de vida vem à mente e o faz se orgulhar das origens. “Nordeste, Fortaleza, Pirambu, tudo me dá orgulho. A gente está acostumado a ver pessoas de outros lugares do Brasil se destacando no mundo do skate. No Nordeste tem muitas pessoas boas, muitos talentos perdidos por lá”, afirma.
“Por isso sempre mostro que sou de Fortaleza e que as pessoas deveriam, sim, olhar para o Nordeste. Abrir a mente e ver que lá também tem pessoas com potencial para conquistar o mundo”, completa.
Na sexta-feira (26), ele confirmou o bom momento com a medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos Júnior, na Colômbia.
O esporte abriu portas e tornou o garoto de Pirambu um cidadão do mundo. Hoje Lucas vive na Califórnia com Aori, 20. A japonesa participou das Olimpíadas em casa e era considerada uma das favoritas no street, mas se machucou na véspera da competição e ficou em quinto lugar.
O cearense se diverte ao contar como foi o início do relacionamento deles, facilitado por aplicativos de tradução no celular há cerca de dois anos. “O perrengue era não entender o inglês um do outro, mas a gente transformava isso numa coisa boa”, afirma, acrescentando que o português de Aori já está bem melhor que o seu japonês.
Por causa da pandemia, Lucas não pôde ir a Tóquio nem mesmo para prestigiar a namorada. Em Paris-2024, quem sabe os dois poderão estar juntos nos Jogos para se ajudar na competição e lutar por medalhas inéditas.
“Quero deixar claro para as pessoas que, independentemente de onde você é, também pode chegar e fazer acontecer”, ele diz.
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