SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O piloto heptacampeão Lewis Hamilton reconheceu nesta quinta-feira (2) que não se sente confortável de correr na Arábia Saudita. O país sediará pela primeira vez uma etapa da F1, neste domingo (5), em uma pareceria que tem sido alvo de severas críticas por associar a categoria a um governo acusado de violar os direitos humanos.
“Eu não posso fingir que eu tenho mais conhecimento do que alguém que cresceu nesta comunidade e é fortemente afetada por certas regras e o regime. Eu me sinto confortável aqui? Eu não diria que me sinto, mas não é escolha minha estar aqui. O esporte escolheu isso. Se é certo ou errado, acredito que enquanto estivermos aqui, é importante promover conscientização”, afirmou o piloto da Mercedes.
A decisão de realizar a prova em solo saudita também foi criticada pela Anistia Internacional e pela ONG Human Rights Watch, que alertaram para o risco de que a promoção do evento poderia desviar a atenção de acusações das quais o governo liderado por Salman bin Abdulaziz Al Saud, 85, é alvo, como o assassinato do jornalista opositor Jamal Khashoggi, em 2018, dentro da embaixada saudita em Istambul.
A Arábia Saudita é, ainda, um dos países a criminalizar a homossexualidade, além de ter uma série de leis restritivas para as mulheres. Até 2018, por exemplo, o país não permitia que elas pudessem dirigir. A regra só foi derrubada depois de 30 anos de reivindicação à monarquia saudita.
“Algumas das mulheres aqui ainda estão na prisão por muitos e muitos anos porque dirigiram um carro. Há muitas mudanças que precisam acontecer e nosso esporte precisa fazer mais”, afirmou Hamilton.
Antes, se uma mulher desafiasse a proibição, ela poderia ser condenada a anos de prisão, receber multas e chibatadas. Foi o que aconteceu com a ativista saudita Loujain al-Hathloul, liberta da prisão em março, após passar três anos encarcerada.
O piloto da Mercedes usará neste fim de semana um capacete com as cores da bandeira LGBTQIA+, como ele fez na última etapa, realizada no Qatar. O modelo foi feito pelo brasileiro Raí Caldato e utiliza uma arte de Daniel Quasar, um artista não-binário que ressalta a representatividade de pessoas trans e negras.
“Vocês viram o capacete que eu usei na última corrida. Vou usá-lo de novo aqui, e na próxima corrida [em Abu Dhabi], porque isso é um problema. Há mudanças que precisam ser feitas. Temos o dever de ajudar a aumentar a conscientização para questões relacionadas aos direitos humanos nesses países em que vamos”, disse o britânico.
Ele também criticou as leis homofóbicas em vigor na Arábia Saudita. “Se alguém quiser ler o que é a lei para a comunidade LGBTQIA+, é muito assustador. Há mudanças que precisam ser feitas.”
A realização da prova em solo saudita foi uma decisão tomada pela Liberty Media, grupo americano que controla a categoria, e faz parte de um acordo de patrocínio firmado com a Saudi Aramco, gigante estatal saudita de petróleo e gás natural, em março de 2020.
Foi o primeiro acordo de patrocínio global assinado pela Liberty desde 2017, ano em que o grupo comprou o campeonato, então sob as rédeas do inglês Bernie Ecclestone. Segundo o site SportBusiness.com, a F1 vai receber da Saudi Aramco cerca de US$ 40 milhões (R$ 224 milhões) por temporada.
As críticas por associar a categoria a países com histórico de violação de direitos humanos, contudo, não são exclusividade da empresa americana. Há várias passagens polêmicas na história da F1, como o fato de o Mundial ter sido o último evento esportivo a deixar a África do Sul por causa do apartheid, regime de segregação racial.
Em 1985, em um dos períodos mais críticos do regime, em que o então presidente Willem Botha perseguiu opositores com suas tropas e negros foram abusados, torturados e mortos, a F1 desembarcou no país. O apartheid só chegaria ao fim em 1994.
Apesar do boicote de duas equipes francesas, Ligier e a Renault, os demais times do grid participaram da corrida, a última registrada na África do Sul, e que gerou uma onda de críticas à categoria como agora, ao chegar à Arábia Saudita.
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