O aumento do preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha, anunciado na quinta-feira pela Petrobras, vai apertar ainda mais o cinto de quem achava ser impossível fazer novos furos. Até porque esse reajuste vem depois de uma grande sequência de altas – só a gasolina já havia subido 43,57% de janeiro do ano passado até antes da nova mudança.
Para os profissionais autônomos que dependem dos combustíveis para trabalhar, a escalada tem significado queda constante na renda e na qualidade de vida. Além de ganhar menos, alguns dobram a carga horária na tentativa de manter as contas em dia. Em casa, os hábitos também estão mudando. As famílias voltaram a economizar em alguns produtos supérfluos e jantares fora de casa.
Esse quadro é resultado de uma renda disponível – depois do pagamento de despesas essenciais – cada vez mais achatada pela inflação e desemprego altos. Nessa equação, os gastos com combustíveis têm sido um dos vilões que mais corroem a renda da população brasileira.
Levantamento da Tendências Consultoria Integrada mostra que, nos últimos dez anos, as despesas das famílias com combustíveis (gasolina e etanol) cresceram quase 50% – maior do que o avanço dos gastos com alimentos.
“No ano passado, 3,9% da renda total foi para gastos com combustíveis. Parece pouco, mas isso tem um efeito relevante no orçamento das famílias”, diz Lucas Assis, economista da Tendências responsável pelo trabalho. Trata-se do maior patamar, pelo menos, desde 2008. Em 2020, esse porcentual estava em 3% e, em 2019, antes da pandemia, em 3,2%.
CENÁRIO RUIM
E esse quadro tende a ficar pior. Segundo cálculos da GO Associados, se fosse para repassar todo o aumento do petróleo no mercado internacional, o preço da gasolina já estaria acima de R$ 10. “Esta não é uma crise temporária, e sim uma mudança de regime no comércio internacional de energia”, diz o sócio da consultoria, Gesner Oliveira.
Para ele, não adianta pensar em congelamento de preço, cujo custo é gigantesco. É preciso pensar um pacote com medidas para enfrentar essa crise, como amortecimento das oscilações de preços, compensação para grupos vulneráveis e aceleração da transição energética.
O quadro complicado da economia brasileira, agravado pela pandemia da covid-19, já fez o porcentual de renda disponível da população cair de 43,03% para 36,36% em dez anos. É o pior resultado, pelo menos, desde 2008. Só no ano passado, o brasileiro perdeu algo em torno de R$ 100 bilhões de renda disponível. Na prática, isso significa que a sociedade poderia ter gastado esse montante a mais se a renda não tivesse encolhido.
“Essa queda tem feito o brasileiro trabalhar mais”, diz o presidente da Associação de Motoristas de Aplicativos, Eduardo Lima de Souza. Segundo ele, hoje os profissionais autônomos estão tendo de trabalhar de 12 a 14 horas por dia. Antes esse tempo era de 6 a 8 horas. “Alguns aplicativos limitam o tempo de trabalho, mas o motorista desliga um e liga o outro. Ainda assim, trabalha mais e não consegue pagar as contas.”
‘PRECISO ESCOLHER QUAIS DESPESAS POSSO ATRASAR’
Na estrada há 16 anos, o caminhoneiro Alexandre Pizolli, de 46 anos, diz nunca ter vivido uma situação tão difícil financeiramente como agora. Todo fim de mês a história se repete: “Como a renda não dá para pagar tudo, preciso escolher quais despesas quitar e quais posso atrasar”.
A estratégia tem sido manter em dia todas as contas relacionadas à manutenção e compra do caminhão para não perder a renda. “Se ficar inadimplente com qualquer empresa, não consigo nenhum frete e não tenho nenhuma remuneração”, diz ele, que ainda tem 22 parcelas de R$ 3 mil do caminhão.
Nas contas de casa, o exercício é diário. Os gastos são pagos à conta-gotas. A fatura do cartão de crédito, por exemplo, foi dividida em 10 vezes de R$ 500 e, ainda assim, Pizolli teve seu nome negativado. “Minha história é a de milhares de outros motoristas que também estão inadimplentes na praça por causa da deterioração da renda.”
Ele conta que, quando começou a trabalhar nas estradas, sobrava cerca de 60% do frete no fim do mês. Ao longo dos anos, com o aumento sobretudo do diesel, esse porcentual caiu para algo em torno de 40% e já está chegando a 30% com as últimas movimentações do preço do petróleo. “Como o autônomo consegue sobreviver numa situação dessas?”, questiona.
O caminhoneiro diz que, às vezes, pensa em deixar a profissão e procurar emprego em outra área – ele é formado em logística. “Mas ainda tenho muitas parcelas do caminhão para quitar e, se for trabalhar no mercado, não vou conseguir bancar essa despesa.”
‘HOJE TRABALHO MAIS E GANHO BEM MENOS’
Para o motoboy Edgar Loureiro da Silva, de 28 anos, os constantes aumentos no preço da gasolina exigem um jogo de cintura diário para manter o orçamento em ordem e, ao mesmo tempo, garantir o bom relacionamento com o cliente. Apesar da alta nas bombas, é difícil repassar os custos para as empresas, que resistem aos aumentos, afirma ele.
Silva conta que tem sido difícil planejar os gastos, pois nunca se sabe quando haverá alta novamente. “Antes abastecia a moto com um valor todos os dias. Hoje gasto o dobro e não sei quanto vai ser amanhã.”
A renda disponível do motoboy caiu cerca de 30% nos últimos meses. O porcentual só não foi maior porque ele aumentou a carga horária de trabalho. “Antes trabalhava bastante, mas ganhava mais. Hoje trabalho muito mais e ganho bem menos.” Ele conta que a situação já não estava boa desde o início da pandemia.
Muitas empresas fecharam as portas e outras decidiram fazer as entregas com pessoal interno. Nesse cenário, ele passou a aceitar serviços que antes não fazia, como viagens mais longas.
O motoboy reclama que, além dos combustíveis, a conta em casa também cresceu com altas no preço da água, energia elétrica e gás. Silva nasceu em Belém e chegou em São Paulo em 2016 para participar de competições de jiu-jítsu. “Mas não consegui manter a vida de atleta e tive de trabalhar com outras coisas.” Antes de ser motoboy, ele fez entregas de bicicleta para aplicativos como Rappi e iFood. “Como pagavam muito pouco, comprei uma moto e comecei a fazer entregas para o setor corporativo.”
‘CHEGO A TRABALHAR 14 HORAS POR DIA’
Há três anos, Fabiano Pacheco decidiu dar uma guinada na vida. Largou o cargo de gerente contratado de uma farmácia e foi trabalhar como motorista de aplicativo. A mudança veio depois de ele se empolgar com os ganhos em viagens feitas nas horas vagas como motorista. “Trabalhava na farmácia das 16h às 23 h. Na parte da manhã fazia os bicos e, no fim do mês, meu ganho era quase igual ao salário da farmácia.”
Toda essa empolgação, porém, tem virado pesadelo. Com a escalada dos preços da gasolina, a renda encolheu. “Estou no vermelho há três meses”, diz ele, que já pensa em deixar o trabalho. A ideia é vender o carro, quitar todas as dívidas do veículo e buscar emprego novamente em uma farmácia.
Ele conta que tem faturado entre R$ 4 mil e R$ 6 mil por mês, mas 50% do valor vai para pagar combustível. Fora isso ainda tem manutenção básica do veículo, cujo custo também aumentou. O preço do pneu, por exemplo, dobrou nos últimos anos. “O jeito tem sido comprar o produto reciclado.”
Tudo isso explica os constantes cancelamentos dentro dos aplicativos. Isso porque algumas viagens deixaram de ser viáveis e se tornaram deficitárias. Para completar, afirma Pacheco, a demanda diminuiu. “Em 2019, fazia cerca de 180 viagens por semana. Agora faço algo em torno de 80.”
‘SE O PREÇO CONTINUAR SUBINDO, NÃO VAI DAR PRA CONTINUAR’
No ano passado, o motorista Rosimar Pereira estava decidido a abandonar o trabalho com os aplicativos de viagens. A carga horária estava cada vez mais pesada, e o ganho havia caído radicalmente com o avanço do preço dos combustíveis.
A decisão só não foi adiante porque um amigo deixou o trabalho primeiro e doou seu kit de GNV (gás natural veicular) para Pereira. “Isso me ajudou muito, pois com a economia consigo pagar a prestação do carro.” As preocupações do motorista, porém, voltaram com o aumento do preço do petróleo e derivados. “Se continuar subindo, não vai dar para continuar.”
Até 2016, quando começou a ser motorista de aplicativo, ele trabalhava numa empresa de ônibus. Mas deixou o emprego e foi ser autônomo. “Naquela época ganhava o dobro comparado ao salário de motorista de ônibus.” Pereira conta que começou a enviar currículos para tentar arrumar um novo emprego.
Casado e com três filhos, ele afirma que tem trabalhado mais de 12 horas por dia. “Começo às 6h, almoço e depois vou até as 20 horas.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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