SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Empurrando o carrinho com o filho de oito meses, Maria Amélia Santos, 33, entra na fila que se forma embaixo do viaduto do Glicério, na região central de São Paulo. Junto com ela, cerca de 150 pessoas em situação de rua esperam sua vez para pegar uma marmita doada por um grupo de voluntários e jantar.
Amélia nem sempre esteve por ali. A situação mudou há cerca de um mês, quando o marido foi preso e, com a renda familiar reduzida, não conseguiu mais comprar gás de cozinha. “Me apertei. Nem aluguel consigo pagar. A dona me deixou ficar mais uns dois meses, mas vou ser despejada”, relata a auxiliar de limpeza.
A ameaça iminente na vida de Amélia é fato na de muitas pessoas que estão nas ruas, população que cresceu 31% na capital paulista durante a pandemia, de acordo com o último censo da prefeitura.
O aumento é evidente. Segundo o Datafolha, 2 em cada 3 paulistas (66%) consideram que a quantidade de moradores em situação de rua em suas cidades aumentou neste ano. Na capital, o número é ainda maior: 85% afirmam que há, sim, mais gente nas ruas.
“As pessoas acham que em São Paulo vão conseguir trabalho”, conta Daniel Gomes, 43, há nove meses na rua. “Aí não conseguem, não têm como pagar o aluguel e vêm parar aqui, como eu. É a ilusão de que aqui vai dar bom”, relata o morador, que entrega folhetos nos semáforos da cidade para tirar algum trocado no dia a dia.
Vizinho de barraca de Daniel, também no viaduto do Glicério, Benedito Batista, 55, acredita que existe mais gente nas calçadas da cidade após a pandemia. “A senhora já olhou a cracolândia agora? Tem criança, família, tudo. Olha o que era antes e o tantão de gente que está lá hoje!”
Batista, em situação de rua há seis anos, conta que foi casado por 37 com “dona Rita” e que não teve traição e nem falta de respeito. “O que fez meu casamento acabar e eu parar aqui foi o ‘etanol’, esse aqui da garrafa”, relata, apontando para o plástico. Com os quatro filhos já adultos, ele não tem mais contato. “Não quero que me achem assim, nessa situação.”
Dona Zenilda, 60, mora na rua há mais de 20 anos. Já teve como casa as calçadas da região de São Bento, Brás, Sé e albergues da prefeitura, nos quais não fica mais desde que se juntou ao companheiro, Alemão. Para ela, é fato que mais pessoas foram morar na rua com o passar dos anos. “Quando chega doação de comida, enche de gente. Brota homem e mulher de todos os lados.”
Com sorriso largo e sem alguns dentes, Zenilda conta que não teve medo de adoecer na pandemia. “Só tenho medo dos castigos de Deus. Nunca fiz mal a ninguém, mesmo a quem me olha de lado.” Os olhares desconfiados não são raros: a pesquisa aponta que, para 23% dos entrevistados no estado, a própria pessoa em situação de rua é responsável pela condição em que vive.
Gracekelly da Silva, 42, tornou as andanças pelo centro da cidade mais habituais nos últimos meses. Mora com marido, mãe e três filhos, um deles com síndrome de Down, em uma ocupação. A única fonte de renda da família é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), do INSS.
São as doações que complementam a alimentação da casa. Grace busca, assim, não ser mais uma no número crescente de pessoas em situação de rua. “Comecei a pegar [comida] na pandemia. Vi muita gente sendo despejada por não ter como pagar aluguel. Quero evitar. Comecei a pedir ajuda.”
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