SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os custos de diabetes no Brasil já superam US$ 2,1 bilhões (cerca de R$ 10 bilhões), sendo US$ 633 milhões (cerca de R$ 3,16 bilhões) para gastos diretos e US$ 1,5 bilhão (ou R$ 7,5 bilhões) para gastos indiretos com a doença.
Tal soma pode chegar a US$ 5,47 bilhões (cerca de R$ 27,35 bilhões) até 2030, o que equivale a um crescimento de 6,2% ao ano, caso o número de pessoas que convivem com a doença aumente 13% até lá. Se a incidência de diabetes continuar subindo no Brasil, esse cenário pode se concretizar até antes, de acordo com uma pesquisa.
O gasto anual com a doença foi estimado em um estudo de cientistas da FEA (Faculdade de Economia e Administração) da USP e da Unicamp. Os dados utilizados têm como base o ano de 2016, quando o número de casos cresceu 13% em relação aos três anos anteriores.
A pesquisa, publicada no dia 3 de março na revista científica Annals of Global Health, utilizou dados da Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2013 sobre a população convivendo com diabetes e ajustou os valores para 2016 com base no crescimento populacional em três anos.
Para calcular os custos diretos de diabetes, que incluem gastos médicos com internações, atendimento ambulatorial e remédio popular, entre outros, as pesquisadoras consultaram dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIHSUS) e do sistema de Comunicação de Informação Hospitalar e Ambulatorial (CIHA) de hospitalizações tanto no setor público quanto no privado, cuja causa principal era diabetes mellitus.
De acordo com o estudo, dos US$ 232,8 milhões (cerca de R$ 1,16 bilhão) gastos com hospitalização, a maior parte é de internações relacionadas a diabetes (81,4%), e o restante com diabetes como causa primária. Tais gastos superam o que foi desprendido para o atendimento ambulatorial, de US$ 86 milhões (R$ 430 milhões), o que denota como os gastos tardios da doença são maiores do que os custos com atenção primária.
Quanto à divisão por gênero, os homens representam a maior parte (53,3%) dos gastos por hospitalização por diabetes, com US$ 124,1 milhões (R$ 620,5 milhões), enquanto os gastos de hospitalização por mulheres equivalem a US$ 108,6 milhões (R$ 543 milhões).
No recorte por faixa etária, as pessoas com 55 anos ou mais representam 80,7%, ou US$ 187,8 milhões (R$ 939 milhões), do total de gastos hospitalares, e 86,1%, ou US$ 74,5 milhões (R$ 372 milhões), em gastos ambulatoriais.
Além dos dados de hospitalização, foram analisados os gastos com medicamentos na farmácia popular e com despesas extras hospitalares, que somam US$ 314 milhões (R$ 1,57 bilhão).
Em relação aos custos indiretos, as pesquisadoras analisaram três fatores distintos que demonstram o impacto do diabetes na vida de brasileiros: absenteísmo, ou a perda de produtividade por falta no trabalho, morte prematura (calculada por anos de vida perdidos por morte ou incapacidade causadas pela doença) e aposentadoria precoce. Os cálculos foram baseados no valor do salário mínimo em 2013.
A maior parcela de gastos indiretos com diabetes é relacionada à morte prematura: US$ 1,18 bilhão (ou R$ 5,9 bilhões, equivalente a 77,9%) de custos anuais por essa razão, sendo US$ 774,7 milhões (R$ 3,9 bilhões, ou 65,6%) em homens e US$ 408,8 milhões (R$ 2 bilhões, ou 34,4%) em mulheres.
De acordo com Paula Pereda, professora do departamento de Economia da USP e autora principal do estudo, o peso do diabetes é maior nos homens porque eles em geral se cuidam menos do que as mulheres. “Inclusive quando a causa primária de morbidade [incapacidade] é diabetes nós vemos um quadro mais grave dos homens que buscam atendimento, e essa proporção se reflete também nos custos indiretos, de absenteísmo, morte prematura e aposentadoria precoce”, explica.
Para a projeção de 2030, as autoras avaliaram quanto a doença deve afetar a economia e o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiros considerando os gastos individuais de pessoas vivendo com diabetes tanto no rendimento per capita quando no custo por paciente.
Foram propostos dois cenários, um mais conservador, em que a incidência de casos de diabetes permaneceria inalterada nos 14 anos seguintes (de 2016 a 2030), cujo peso econômico da doença foi estimado entre US$ 2,34 bilhões e US$ 3,33 bilhões (cerca de R$ 11,7 bilhões a R$ 16,6 bilhões). Mas, com a projeção de crescimento de 13% dos casos de diabetes até 2030, a estimativa de custo eleva esse valor para mais de R$ 27 bilhões, quase três vezes o gasto atual.
As autoras ainda ressaltam que é muito provável que os casos de diabetes no Brasil sejam subestimados, pois há ainda muitas mortes relacionadas a diabetes ou por complicações da doença que não são consideradas.
“Apesar de serem custos já muito altos, nós consideramos que eles já sejam superiores ao que projetamos porque usamos uma metodologia mais conservadora. Os custos indiretos para a sociedade devem ser ainda maiores, porque o diabetes afeta diretamente as famílias dos pacientes e também o mercado de trabalho, no contexto da produtividade”, diz.
Segundo a última edição do Atlas Diabetes 2021, os casos de diabetes cresceram 16% no mundo de 2019 para 2021, passando de 463 milhões para 537 milhões no último ano. A expectativa é chegar a 643 milhões doentes em 2030, ou seja, um aumento de 19%.
No Brasil, 9,14% da população adulta vivia com diabetes em 2021, segundo levantamento da pesquisa Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico).
Para Deborah Malta, pesquisadora da Escola de Enfermagem da UFMG e ex-coordenadora do Vigitel (2006 a 2015), o estudo é relevante, pois consegue calcular de maneira muito completa os custos da doença. “O diabetes muitas vezes não recebe o devido valor, mas ele possui um efeito sistêmico notável”, avalia.
Ela ressalta que a incapacidade provocada por diabetes já é reconhecida como um dos principais fatores para levar à morte prematura. “O cenário que a pesquisa estima para 2030 na verdade já chegou em 2019, porque já estamos observando a consequência da incapacidade provocada por diabetes com o aumento da obesidade e diminuição da expectativa de vida da população”, diz.
A grande falha hoje na atenção de diabetes no Brasil, segundo a pesquisadora, é a ausência de programas sólidos de prevenção e promoção de saúde, como políticas públicas para acesso a alimentação saudável e incentivo de atividades físicas. “Sabemos que há um aumento da incidência e a taxa de mortalidade, que estava em declínio até 2016, 2017, estagnou [na taxa de 28,7 mortes por cem mil habitantes]. Isso é muito preocupante”, afirma.
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