IGOR GIELOW (FOLHAPRESS) – A batalha que pode decidir o rumo da Guerra da Ucrânia começou na madrugada desta segunda (18), segundo o governo em Kiev. “Podemos afirmar que as forças russas começaram a batalha pelo Donbass, para a qual estão se preparando por um bom tempo”, disse o presidente Volodimir Zelenski.
Donbass é o nome da região de maioria russófona do leste da Ucrânia em poder parcial de separatistas pró-Moscou desde 2014, e um dos motivos colocados por Vladimir Putin para iniciar sua guerra há quase dois meses.
Zelenski tirou sua conclusão dos fatos do dia, sem uma avaliação por parte do Kremlin. As forças russas fizeram um dos maiores ataques com mísseis do conflito durante a madrugada e manhã, atingindo segundo o Ministério da Defesa em Moscou 315 alvos militares.
Os bombardeios, com mísseis de cruzeiro e balísticos, ocorreram em todo o território. Lviv, a chamada “capital do oeste” da Ucrânia, junto à fronteira polonesa, registrou suas primeiras sete mortes após passar o conflito intocada –quatro mísseis balísticos Iskander atingiram a cidade, três em instalações militares e um, por erro, numa oficina de carros.
Com isso, a atenção das Forças Armadas de Kiev teve de ser dispersa por todo o território do país, enquanto dois movimentos ocorreram na área que Moscou disse ser seu objetivo estratégico nesta fase da guerra: o Donbass.
Lá, houve ataques ao norte, em duas cidades próximas de Kharkiv, segundo maior centro urbano ucraniano, vitais para uma ofensiva em forma de pinça combinada com forças russas ao sul: Popasna e Rubíjne.
Além disso, as chances de alguma saída miraculosa para os defensores restantes de Mariupol, ao sul, basicamente acabaram. Cerca de mil soldados estão entocados em um complexo metalúrgico da cidade e, tendo recusado a rendição, parecem destinados a serem parte das ruínas da cidade cujo cerco virou o símbolo da brutalidade do ataque russo.
Seja como for, é uma questão de tempo para Mariupol cair, como autoridades em Kiev já admitem. A partir daí, a junção entre a parte já controlada pelos russos do Donbass e a Crimeia, mais a sudoeste, estará feita.
Isso permitirá o tal movimento em pinça para tentar cercar cerca de 40 mil soldados ucranianos, que formam a elite militar do país, com ampla experiência nos oito anos de guerra civil contra os separatistas da região.
Não será fácil para Moscou, ainda aqui a batalha sugira manobras de blindados, sem tanto combate urbano –no qual o atrito é inevitável, como a destruição de Mariupol demonstrou, e para o qual as táticas russas se mostraram insuficientes ante a resistência ucraniana armada com sofisticados sistemas portáteis antitanque ocidentais.
Há a questão numérica. O Departamento de Defesa americano estima em 76 o número de batalhões táticos russos concentrados no Donbass, 11 dos quais reunidos nos últimos dias. Não há um número fixo de soldados para cada uma dessas unidades, mas é algo em torno de 1.000, 1.500 homens.
Com isso, Moscou tem o dobro de soldados do que Kiev para a batalha, algo que desafia os manuais militares, que preveem uma relação de 3 contra 1 para uma ataque ser bem-sucedido contra posições bem defendidas. O ponto é saber o quão bem armados estão os ucranianos: os blindados e tanques poloneses que foram enviados para ajudar o esforço não parecem fazer a diferença.
Há questões intangíveis, como a moral. A Ucrânia está em um bom momento, tendo visto a retirada de russos em torno da capital e de cidades de seu entorno no noroeste do país. Acabou de afundar, ou viu a incompetência naval russa cometer um erro crasso, o principal navio de guerra de Moscou no mar Negro.
Estima-se que os russos começaram a guerra em 24 de fevereiro com 125 de seus 170 batalhões táticos. Teriam perdido, na conta de especialistas, 30 deles –em equipamento, não necessariamente pessoal associado. É uma conta salgada em sangue, a mais alta proporcionalmente entre mortos e feridos desde a Segunda Guerra Mundial.
Putin tem, contudo, tempo ainda. Segundo o Pentágono, há mais 22 grupos de batalhões táticos sendo preparados em áreas ao norte do Donbass para a ação. E, teoricamente, agora todas as forças estão sob ação coordenada pelo general Alexander Dvornikov, que fez fama de implacável no comando russo da guerra civil síria em 2015-16.
Zelenski disse, em uma entrevista na noite de domingo (18) à CNN, que o que acontecer no Donbass poderá definir o destino da guerra. Não exagerou, como lhe é costumeiro, desta vez.
De forma resumida, a ação pode resultar num fracasso russo e numa pressão incomensurável sobre Putin, o que faz observadores temerem alguma ação desesperada (armas químicas, nucleares táticas) para manter sua posição de poder.
Ou pode acabar em vitória russa, como Kiev parece temer em suas declarações. Aí restará saber se será uma vitória acachapante, com a destruição ou rendição ucraniana, ou parcial, com a fuga das forças de Zelenski para a região a leste, junto à capital.
Aí os termos de um eventual cessar-fogo terão de ser discutidos. A Rússia declara querer a Ucrânia fora da Otan (o que parece garantido na prática), desmilitarizar o país (o que faz com seus mísseis) e manter o Donbass independente (também exequível, ainda mais com o corredor até a Crimeia).
Com razão, Kiev se recusa a aceitar abertamente os termos sob fogo, pois teme ver a Rússia em uma posição de força militar para tentar acabar o serviço. Com toda a pressão das sanções ocidentais sobre sua economia e os custos de manter a máquina bélica em ação, parece algo improvável, mas seu ataque também o parecia.
Aí, o 9 de maio que muitos veem como um fim simbólico desejado para a guerra por Putin, dado que é o dia da vitória sobre a Alemanha nazista em 1945, pode ser apenas o começo de uma nova etapa do conflito.
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