KLAUS RICHMOND
SANTOS, SP (FOLHAPRESS) – Soava estranho aos desavisados que acompanhavam a transmissão da partida entre Atlético Mogi e União Mogi, pela quarta divisão paulista, em 29 de agosto do último ano, o efeito provocado pelo gol marcado por Kaick, atacante do Atlético.
O pequeno clube de Mogi das Cruzes (66 km da capital) havia acabado de empatar o confronto em 2 a 2, aos 21 minutos do segundo tempo, diante do tradicional rival da cidade, fundado em 1913.
Jogadores no banco de reservas tentavam ajudar aos companheiros com incentivos e instruções, ninguém mais conseguia se sentar.
O esboço de reação, contudo, foi esfriado apenas sete minutos depois. O time acabou sofrendo o terceiro gol e não conseguiu mais igualar o placar.
“As coisas não davam certo, sempre acontecia algo. A vitória seria um feito enorme [para o clube], tiraria um peso das costas. Confesso que até o empate já entraria para a história, também”, disse o ex-técnico Anderson Silva.
Foi breve, mas o Atlético Mogi viveu pela primeira vez em muito tempo, ainda que por alguns minutos, o sonho de pôr fim a uma incômoda e pesada marca que carrega desde 17 de junho de 2017, há exatos 1771 dias, data da última vitória de sua história: 1 a 0 sobreo Real Cubatense, com um gol de pênalti.
De lá para cá foram 47 jogos, com 45 derrotas e dois empates. Cento e setenta e seis gols sofridos, somente 20 marcados. E, após a campanha do último ano, a marca de 28 derrotas consecutivas.
O clube estreia novamente na última divisão estadual neste sábado (23), diante do Guarulhos, às 15h, fora de casa, sonhando desfazer o rótulo de pior time de São Paulo. A marca, em breve, pode ser ampliada como maior fiasco nacional.
Se não vencer nesta temporada, o Atlético Mogi superará o Íbis com a pior série negativa da história do futebol brasileiro. Conhecidos pela alcunha de “pior time do mundo”, os pernambucanos ficaram 55 jogos, entre 1980 e 1984, sem conquistar uma só vitória. Foram 48 derrotas e sete empates no período.
Com dez jogos por fazer no Estadual, o time paulista alcançaria e superaria a marca com 57 partidas em 2022.
“Não me assusta em nada isso. É um time pequeno e digo que a maioria dos times pequenos caminha da mesma forma. O que está errado é a gestão do futebol brasileiro”, minimiza Haru Shimabuku, atual técnico.
Aos 67 anos, o ex-atacante com passagens por Marília-SP, União Bandeirante-PR e outras equipes aceitou o desafio para ajudar o presidente e amigo pessoal, Roberto Costa.
“Ele [Roberto] é meu amigo há anos e me convidou. Gosto muito de estar no campo e aceitei por prazer mesmo. Não me assusta em nada a questão dos números negativos. Vou tentar ajudar”, explica.
A situação do clube é difícil. Ex-jogadores ouvidos pela reportagem que atuaram nos últimos anos relatam que a estrutura é precária. Eles preferiram não se identificar, temendo ter as carreiras prejudicadas.
Faltam materiais e não há nem mesmo alimentação fornecida pelo clube. Atletas só recebem o dinheiro para as passagens de trem, metrô ou ônibus e encaram horas de deslocamento de suas casas até o local do treinamento.
“Falta estrutura para o trabalho, até material simples como cones para treinamentos. É complicado porque isso leva a falta de resultado e a falta de resultados afasta os patrocinadores”, conta um deles.
O clube não tem nenhum patrocinador. Estampou no uniforme no último ano a marca Representaciones Desportivas, que tem o próprio presidente como sócio.
Agente e intermediário de negociações, a relação dele com o Atlético iniciou em 2009. Naquele ano, participou da maior negociação da história do clube: a venda do atacante Maicon Oliveira ao Volyn, da Ucrânia.
Até 2019, o Atlético Mogi era gerido pelo advogado Joaquim Carlos Paixão Júnior. A ausência de resultados, segundo conta, trouxe graves prejuízos financeiros até mesmo em suas atividades profissionais. Ele não assiste mais a jogos do clube.
“Depois de 2019 nunca mais me interessei. Eu fui perdendo o interesse em trabalhar no futebol. É um ciclo vicioso e o futebol não se desenvolve sem recursos financeiros. Sofri graves prejuízos e não sou nenhum grande investidor, alguém com muito dinheiro. Vi a minha família em risco por isso e acabei recuando”, conta Paixão.
Ao longo dos anos, o time sofreu inúmeras goleadas. Só na última temporada, perdeu por 9 a 0 para o Mauá, 5 a 0 para o União Mogi e 6 a 0 do Suzano.
“Não há pressão por resultados no clube, mas há um peso muito grande a se carregar que parece complicar tudo. Falei para o time quando cheguei: vamos primeiro empatar um jogo, depois sonhamos com mais”, explica Anderson Silva, antigo treinador.
Além da falta de recursos, a presença dos filhos de Roberto no dia a dia do clube também causa polêmica. Roberto Costa dos Santos é o vice-presidente, enquanto Roan, 22, é um dos jogadores da equipe.
A formação do time é feita por avaliações. Com poucos dias para o primeiro jogo na temporada, o clube fez um anúncio pelas redes sociais dizendo que procurava “goleiros e meio-campistas (ofensivos e criativos)” para serem avaliados e fazerem parte do elenco para a disputa do Estadual. Entre as respostas, perguntas curiosas como “qual o salário” e algumas brincadeiras.
Em fevereiro, o clube informou que buscava “parceiros, agentes e representantes” dispostos a investimentos, com letras garrafais. Não houve procura.
A reportagem tentou contato com o presidente Roberto Costa, mas ele não respondeu às chamadas ou atendeu as ligações.
Cercado por dificuldades, o Atlético Mogi tenta agora evitar uma nova fama além daquelas que já conquistou. A bola precisará voltar a entrar este ano. E no gol adversário.
Deixe o Seu Comentário