SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um estudo feito por pesquisadores brasileiros concluiu que sete estados do país apresentam alto risco de passar por surtos de zoonoses, doenças transmitidas de animais para humanos.
No Distrito Federal e outros 11, o risco é médio e, nas demais unidades da Federação, baixo, segundo pesquisa publicada nesta quarta-feira (29) na revista Science Advances.
As zoonoses são bastante conhecidas -a varíola dos macacos é um desses casos. Um dos fatores que mais favorece o aparecimento desse tipo de doença é o adentramento em áreas florestais.
Hugo Fernandes-Ferreira, professor da Universidade Estadual do Ceará e um dos autores do artigo, explica que zoonoses são resultado de um processo de mutações contínuas até que um patógeno -qualquer organismo que cause uma doença- tenha capacidade de infectar humanos.
“Essa possibilidade cresce quando se aumenta o contato, o que ocorre ao facilitar o acesso -ou seja, o desmatamento- e o contato direto [com animais silvestres]”, afirma Fernandes-Ferreira, que também é biólogo.
No novo estudo, a invasão a regiões ambientais foram levados em consideração. A biodiversidade também foi observada, já que, quanto maior a presença de diferentes espécies de seres vivos, maior o risco de transmissão de doenças.
Além disso, os pesquisadores observaram questões socioeconômicas e a capacidade de resposta frente a situações de risco para entender as chances do aparecimento de novos surtos.
“Existem diversas crises que tornam o nosso país como uma potencial incubadora. São crises ambientais, socioeconômicas, aumento do desmatamento, do desemprego, da insegurança alimentar. Tudo isso faz com que cresça o grau de exposição das pessoas a esses patógenos”, afirma Gisele Winck, bióloga associada como pesquisadora a Fiocruz e autora principal do artigo.
Os pesquisadores utilizaram dados coletados entre 2001 e 2019 de noves zoonoses já conhecidas no Brasil para realizar as análises da pesquisa: doença de chagas, febre amarela, febre maculosa, leishmaniose tegumentar e visceral, hantavírus, leptospirose, malária e raiva. Observando os padrões de disseminação dessas doenças, os autores mensuraram os riscos de novos surtos.
Foram vistos aspectos que influenciam o padrão das disseminações das doenças no Brasil: perda de vegetação, riqueza de mamíferos, isolamento de municípios, pouca vegetação urbana e baixa cobertura vegetal. “Esses cinco pontos explicaram 80% do padrão visto do surgimento de doenças no nosso país. Então eles são os principais fatores que atuaram para o padrão que vimos”, afirma Winck.
Todos os estados e o Distrito Federal foram divididos em três categorias: baixo, médio ou alto risco. Uma das regiões mais críticas é a Norte, onde o Pará tem médio risco e todos os outros estados foram categorizados como de alto risco. Esse padrão pode ser explicado pelo intenso desmatamento da Amazônia.
“No Brasil, sobretudo na região Norte, se tem um desmatamento numa área de altíssima diversidade biológica e, portanto, de patógenos”, diz Fernandes-Ferreira.
Mesmo assim, considerar outros aspectos que não têm relação direta com o meio ambiente foi importante para a pesquisa. Um dos fatores foi o isolamento de municípios, onde se considerou que, quanto mais os estados tinham cidades com baixa conexão, maior a probabilidade de surtos de zoonoses. Isso porque esse isolamento dificulta o acesso a serviços de saúde especializados.
A relevância de considerar esses outros aspectos pode ser visto na comparação entre o Pará, que tem risco médio, e o Maranhão, com risco alto.
Fernandes-Ferreira explica que, se considerasse somente a ótica de presença de floresta nativa e biodiversidade, o Pará deveria ter um risco maior do que o Maranhão em razão do desmatamento na Amazônia.
Acontece que, ao observar outros fatores, a situação de risco entre os dois estados se inverte do que seria esperado. “É preciso olhar para todos os contextos econômicos, sociais e de rotas potenciais de infecção e contágio, que são agravados pelo contexto econômico e social”, completa o biólogo.
FORMAS DE EVITAR NOVOS SURTOS
Os pesquisadores afirmam que o estudo mostra pontos de atenção para barrar o surgimento de novos surtos. Mesmo assim, seria importante melhorar os dados disponíveis no Brasil para se mensurar riscos de modo mais detalhado, como as chances de surto a nível dos municípios brasileiros, diz Winck.
Os autores também afirmam que barrar a disseminação das doenças se relaciona com as principais formas que acontecem as transmissões dos patógenos.
Um desses meios é a caça ilegal e comercialização dessas carnes que podem estar infectadas. “A caça é a principal rota do contato direto de humanos com patógenos de mamíferos silvestres”, afirma Fernandes-Ferreira.
Outra maneira são vetores, como mosquitos, que podem disseminar zoonoses diretamente a seres humanos. Neste caso, quanto maior o desmatamento, maior a exposição a essas situações. Além disso, animais domésticos podem ser pontes entre patógenos presentes em animais silvestres e humanos.
Todas essas circunstâncias se relacionam com o desmatamento e com a presença humana em áreas de fauna nativa. Por isso, os pesquisadores ressaltam que a preservação ambiental é o ponto mais urgente para evitar novos surtos.
“O problema são os impactos nas áreas de biodiversidade. Essas áreas precisam ser conservadas. A receita que mostramos não é algo que pode acontecer. Isso já acontece. A febre amarela, dengue, chikungunya, Covid e malária são doenças com essa receita. São situações que já acontecem no Brasil. O que mostramos é quão mais ela pode acontecer, onde e por quais fatores”, conclui Fernandes-Ferreira.
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