(FOLHAPRESS) – O Ministério da Saúde registrou a ocorrência de 42 mortes de indígenas na terra yanomami nos dois primeiros meses de 2023. Esse número pode chegar a 48, uma vez que seis óbitos estão sob investigação e não foram contabilizados nos dados do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Yanomami, vinculado à pasta.
As principais causas dos óbitos foram desnutrição grave, diarreia e pneumonia, doenças associadas à fome.
As informações foram repassadas pelo ministério à Folha de S.Paulo em resposta a questionamentos da reportagem sobre dados de óbitos de indígenas após a declaração, em 20 de janeiro, do estado de emergência em saúde pública na terra yanomami.
No Hospital da Criança Santo Antônio, do município de Boa Vista, quatro crianças yanomamis morreram desde a declaração da emergência, segundo a Secretaria Municipal de Saúde. Duas mortes foram por desnutrição grave, uma por diarreia aguda e outra por pneumonia.
A unidade é a única que atende crianças em estado grave no estado, inclusive com enfermarias exclusivas para indígenas. Nesta quarta-feira (1º), 58 meninos e meninas yanomamis permaneciam internados no hospital.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu início a ações de emergência em razão de uma grave crise humanitária, sanitária e de saúde envolvendo os yanomamis. Desde então, a gestão vinha ocultando os dados de mortes de indígenas em boletins e divulgações diárias sobre as ações emergenciais.
É a primeira vez que o Ministério da Saúde informa um número de óbitos na terra yanomami em 2023.
A reportagem pediu dados de mortes nos primeiros 19 dias do ano, que antecedem a declaração de emergência, e nos dias posteriores à ação do governo. Os números fornecidos não fazem essa distinção. Os óbitos continuaram ocorrendo após a declaração da emergência.
O número de 48 mortes em dois meses (se confirmados os seis óbitos ainda em investigação), ou 24 por mês, em média, é semelhante ao registrado ao longo dos quatro anos do governo Jair Bolsonaro (PL), conforme dados do DSEI repassados ao Condisi (Conselho Distrital de Saúde Indígena) dos Yanomami e Ye’kuana.
Esses dados apontam 1.181 óbitos em quatro anos, ou 24,6 por mês, em média. Pneumonia, malária e desnutrição grave aparecem entre as principais causas das mortes.
A continuidade dos óbitos em 2023, mesmo com ações emergenciais em saúde pública, dá uma dimensão da complexidade do problema existente na maior terra indígena do Brasil.
Os yanomamis se viram sem alternativas de roça, sem caça e sem pesca com o avanço de mais de 20 mil garimpeiros no território, até em regiões antes intocadas, mais próximas da fronteira com a Venezuela.
A presença dos invasores, aceita e estimulada pelo governo Bolsonaro, provocou surtos de malária e levou a um aumento de casos de desnutrição grave, infecções respiratórias e outras doenças associadas à fome.
Uma operação foi deflagrada em fevereiro para tentar retirar os milhares de invasores. A previsão é que dure de seis meses a um ano.
Os casos mais graves e numerosos se concentram em comunidades das regiões de Surucucu e Auaris, onde o atendimento nos postos de saúde foi reforçado após a declaração do estado de emergência. Pacientes em estado grave são transferidos a hospitais de Boa Vista, em aeronaves custeadas pelo DSEI.
A Casai (Casa de Saúde Indígena), que deveria ser um espaço de acolhimento dos indígenas durante tratamentos médicos na capital de Roraima, foi improvisada como um hospital. A FAB (Força Aérea Brasileira) montou um hospital de campanha no pátio em frente às acomodações da Casai.
Na terra indígena, segue indefinida uma data para montagem de um hospital de campanha que permita atendimentos in loco. E, até meados de fevereiro, o governo não havia conseguido reduzir a quantidade de indígenas que aguardavam na Casai o retorno às suas comunidades. Esta foi uma das principais queixas ouvidas pelo presidente Lula em 21 de janeiro, quando esteve na unidade.
O Ministério da Saúde afirma que faltam médicos para atestar os óbitos, o que contribui para subnotificação de registros. Apenas oito médicos atuam nos distritos sanitários, segundo a pasta.
“Para melhorar essa situação, o ministério vai enviar, inicialmente, 14 médicos pelo programa Mais Médicos para reforçar o atendimento aos indígenas nas comunidades. A previsão é que os profissionais comecem a atuar ainda em março”, diz, em nota.
Os registros de óbitos e levantamentos de dados são feitos em sua maioria em fichas de papel, conforme a pasta, o que atrasa a validação dos dados -são necessários 30 dias para essa verificação.
“O ministério, em conjunto com o COE Yanomami [Centro de Operação de Emergências, criado para atuar na crise], trabalha para melhorar o acesso às tecnologias de informação e comunicação das equipes em campo, diante do estado precário em que foram encontradas as estruturas da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena], causado pelo abandono da gestão passada.”
Mais de cem profissionais da área da saúde foram enviados à região desde a convocação da Força Nacional do SUS como parte das ações de emergência. Foram feitos mais de 6.200 atendimentos médicos, segundo o Ministério da Saúde. Na Casai, 78% das crianças com desnutrição grave ganharam peso e evoluíram para um quadro moderado, diz a pasta.
No HGR (Hospital Geral de Roraima), para onde são levados yanomamis em estado grave, houve cinco óbitos em 2023, segundo o governo do estado. Os pacientes tinham entre 30 e 81 anos. Entre as circunstâncias das internações estavam trauma, hipoglicemia e dor abdominal.
A FAB não disse se houve óbitos no hospital de campanha.
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