SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma das principais bandeiras do candidato mais votado para a Câmara Municipal de São Paulo, proibir mulheres trans em banheiros femininos e acabar com os sanitários unissex, é lei em cidades do país, mas também já foi contestada e considerada inconstitucional na Justiça paulista.
Lucas Pavanato (PL), 26, foi eleito com votação recorde no domingo (6). Durante a campanha, ele apresentou como plataforma “proibir trans no banheiro feminino/proibir utilização de banheiro oposto ao sexo biológico”.
Segundo o vereador eleito, a proposta busca proteger “mães, filhas e esposas” de abusos e está “amparada na própria biologia”, que distingue os sexos. A legislação pretendida atingiria apenas espaços públicos, explicou à Folha.
O ex-influencer diz ver grandes chances de um projeto do tipo avançar na Câmara, para a qual avalia ter sido eleita uma bancada “verdadeiramente de direita” para o próximo mandato.
Seu partido, o mesmo do ex-presidente Jair Bolsonaro, ficou com 7 das 55 cadeiras. O partido articula um acordo com o MDB, que conquistou sete cadeiras, e União Brasil, com outras sete. Assim, o grupo seria o maior da casa e teria maior chance de emplacar projetos.
O uso de banheiros por pessoas trans é tema de ações no STF (Supremo Tribunal Federal). Sobre uma delas, em junho, os ministros decidiram que não caberia a eles julgá-lo por um erro processual dos advogados: faltava uma questão constitucional.
O caso fora denunciado por Amanda dos Santos Fialho, mulher trans impedida de usar o banheiro feminino no Beiramar Shopping, em Florianópolis, havia chegado aos ministros em 2015, quando teve dois votos e um pedido de vista do ministro Luiz Fux.
Retornando ao plenário após nove anos, a corte entendeu que, no processo específico, o pedido de indenização por danos morais envolvia direito do consumidor. Assim, os ministros não chegaram a discutir o direito de pessoas trans de usarem o banheiro de acordo com sua identidade de gênero.
Na avaliação de Paulo Iotti, diretor-presidente do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero e um dos responsáveis pela criminalização da homofobia no Brasil, o julgamento no Supremo foi “horroroso” ao não negar nem confirmar o direito.
Ele defende que negar o uso de sanitário conforme identidade de gênero fere “claramente” a Constituição.
A tese de ataque a preceitos da Carta Magna também é sustentada por Heloisa Alves, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em São Paulo.
“É inconstitucional proibir o acesso ao banheiro a trans por ferir o princípio da dignidade humana [artigo 1º, inciso III] e outro objetivo fundamental da nossa Constituição Federal, o da não discriminação, previsto artigo 3º, inciso IV”, diz ela.
Tal comportamento, continua, ainda atinge os direitos da personalidade -que são todos aqueles relacionados ao indivíduo, englobando seu corpo, imagem e nome, por exemplo.
Em razão de envolver temas referentes a cláusulas constituintes, “legislar sobre o uso de banheiros não é competência dos municípios”, opina Alves.
Por isso, se aprovada na Câmara paulistana, ela avalia que “uma lei com esse teor imediatamente seria objeto de uma ação direta de inconstitucionalidade para que fosse certamente revogada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.”
Foi o que aconteceu, por exemplo, em Sorocaba (SP). Em 2019, o Órgão Especial do TJ considerou inconstitucional lei da cidade que proibia pessoas transexuais de utilizarem banheiros e vestiários de acordo com a identidade de gêneros que elas se identificam, em instituições de ensino fundamental público ou privado.
A ação questionando a norma foi movida pela Procuradoria-Geral de Justiça paulista. O órgão alegou que a lei configurava “grave comprometimento à dignidade da pessoa humana e à liberdade de orientação de gênero”.
Em sua análise, a desembargadora Cristina Zucchi, relatora, argumentou que cabia somente à União legislar sobre o tema. Já municípios poderiam somente suplementar as normas federais e estaduais.
Há, porém, cidades que já aprovaram leis do tipo e onde elas seguem vigentes. São os casos de Cariacica (ES), Londrina (PR) e Juiz de Fora (MG). Nelas, é proibida a instalação, a adequação e o uso comum de banheiros por pessoas de sexo biológico diferente em todos os estabelecimentos públicos e privados.
Ainda há o caso de Belo Horizonte, capital mineira, que possui legislação parecida, mas válida apenas em templos religiosos.
Para a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), ao vincular o uso à designação do sexo biológico, as leis têm a intenção explícita de discriminar pessoas transgênero ao não permitir que utilizem banheiros de acordo com sua identidade de gênero.
“Isso demonstra estar em curso no Brasil um projeto para negar a corpos trans uma existência digna”, afirma Bruna Benevides, presidente da entidade.
No último mês de julho, a Antra, assessorada por Paulo Iotti, entrou com uma ação no STF contra as leis.
Preocupado com a situação, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania diz trabalhar para garantir direitos e desenvolver ações de proteção para pessoas trans, incluindo o acesso aos banheiros.
“A extrema-direita tem propagado o ódio contra grupos vulneráveis em um cenário político ideológico e conservador que afeta a população LGBTQIA+, especialmente a população trans”, diz a pasta de Macaé Evaristo.
Dados do Disque 100 mostram que o número de denúncias de homotransfobia saltou de 3.948, em 2022, para 6.070, em 2023. E os atendimentos não param de aumentar. Somente nos nove primeiros meses de 2024, já foram 5.741 casos.
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