A confiança e o apoio nas redes sociais ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) caiu em novembro, mês em que a prova foi realizada, aos níveis mais baixos já registrados. Só 29% dos posts faziam menções positivas ao exame ante índices de mais de 90% observados em 2017 pela agência .MAP, que analisa uma amostra do total de 1,4 milhão de mensagens diárias no Twitter e perfis abertos do Facebook. O Enem foi o sexto assunto mais comentado do ano nas redes, na frente de emprego e de corrupção, de acordo com a pesquisa.
A pandemia, as incertezas políticas no governo de Jair Bolsonaro e a crise no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) são apontadas como razões para queda de popularidade do maior vestibular do País. Segundo os responsáveis pela pesquisa, as denúncias de interferência ideológica no Enem, que vêm desde o início do atual governo e se intensificaram no último mês, acabaram minando a reputação de um exame de qualidade.
“As interações nas redes mostram que o estudante, principalmente o que tem menos estrutura, não se sentia preparado para o Enem depois de mais de um ano em ensino remoto. Eles consideraram que essa prova foi elitista”, diz a diretora da .MAP, Giovanna Masullo. “E ainda apareceu muita desconfiança com relação à qualidade da prova por causa das interferências do governo”, completa.
O número de inscritos no Enem também tem caído ao longo dos anos – já foram cerca de 8 milhões entre 2014 e 2016 e ficaram em 3 milhões este ano, com 26% de faltosos. Muitas crianças e jovens tiveram de deixar a escola para procurar emprego durante a pandemia por causa do empobrecimento das famílias e sequer se candidataram à prova. Dados já mostram aumento de mais de 100% de abandono em relação a 2019.
Além disso, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, tentou impedir que estudantes pobres, isentos da taxa de inscrição em 2020 e que faltaram ao exame no meio da pandemia, tivessem direito à gratuidade este ano. O Supremo Tribunal Federal (STF) depois exigiu que o Ministério da Educação (MEC) reabrisse a possibilidade de isenção para esse grupo. Segundo Giovanna, esse foi um dos temas que também levaram a muitas mensagens negativas sobre a prova.
O Índice de Positividade (IP) da .MAP é usado para medir o impacto de repercussões nas redes sociais de assuntos de áreas como política, economia e social. A margem de erro é de 2 pontos porcentuais. “Há um conjunto de atributos associado a cada postagem nas redes sociais, a partir deles são atribuídos valores. A capacidade de repercussão de um perfil gera mais impacto, por exemplo”, diz o economista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Heron do Carmo, consultor da .MAP. Os cinco assuntos mais comentados que o Enem do ano nas redes, segundo a pesquisa, foram políticos, vacina, STF, saúde mental e pandemia.
“Este ano houve uma avalanche de mensagens dos alunos, com medo, sujeitos a muita fake news, informações mal interpretadas sobre o Enem”, conta o professor de Física da Plataforma Descomplica, que tem mais de 3 milhões de seguidores no Youtube, Rafael Vilaça. Para ele, entre 2014 e 2019, o Enem conseguiu se consolidar como um exame de qualidade e com mais previsibilidade. A pesquisa da .MAP mostra que em, em 2017, o índice de positividade era de 94%; em 2018, de 72%, ambos considerados muito bons.
Antes disso, o exame ainda sofria com denúncias de vazamento, principalmente pelo roubo da prova em 2009, no primeiro ano em que ele virou um grande vestibular. Mas a boa impressão conquistada nos últimos anos começou a mudar com as instabilidades no MEC após a eleição de Bolsonaro, acredita.
O governo já está em seu terceiro ministro da Educação, com sucessivas declarações contra o conteúdo da prova. Já em 2019 uma comissão foi instaurada para vetar questões consideradas inadequadas do exame. Este ano, houve mais tentativas que culminaram com o pedido de exoneração de 37 servidores do Inep às vésperas do exame. O Estadão revelou que 24 questões foram retiradas do Enem 2021, mas 13 tiveram de retornar pela falta de opção no banco de itens do Inep. Depois da aplicação, apesar de alguns temas como a ditadura militar terem ficado de fora, professores consideraram as perguntas de bom nível e sem interferências.
A grande preocupação é com os próximos anos do Enem, diz a presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Maria Helena Guimarães de Castro. Além do baixo número de questões atualmente à disposição do Inep, a prova terá de ser reformulada por causa da lei do novo ensino médio, que começa a ser implementado em 2022. O modelo prevê um ensino mais flexível e com um currículo que pode ser montado pelo próprio aluno de acordo com as suas preferências.
Nesta semana, a comissão de avaliação do CNE aprovou o parecer de Maria Helena sobre o novo Enem. Ele terá duas provas, com uma primeira etapa de conhecimentos gerais interdisciplinares e a segunda, para quatro áreas: Ciências Biológicas e Saúde; Ciências Exatas e Tecnológicas; Humanidades, Linguagens e Artes e Ciências Sociais Aplicadas.
“A crise no Inep junto com a pandemia afetou muito os estudantes e o Enem. Mas a confiança pode ser recuperada se o processo para o novo exame for bem encaminhado”, diz. O parecer ainda precisa ser aprovado no plenário do CNE em janeiro e ser homologado pelo ministro da Educação. Depois disso, o Inep precisa apresentar as novas matrizes da prova em 2022. Maria Helena defende que o órgão deva ter uma estrutura de governança, com os melhores consultores e especialistas em avaliação e em currículo. O novo Enem começaria a ser aplicado em 2024.
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