A vacina BCG, que protege os recém-nascidos contra as formas graves de tuberculose e deve preferencialmente ser aplicada logo após o nascimento, está em falta em alguns municípios, que têm de fazer agendamento e racionamento.
No mês de julho, cerca de cem crianças que nasceram na capital de Mato Grosso deixaram de tomar a vacina, segundo a Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde. A dona de casa Tairine Santos Alves, de 31 anos, foi uma das mães que saíram dos postos sem a aplicação da BCG no filho, que nasceu no dia 16. “Fiquei muito triste, chateada, porque não consegui vacina. Fui até nos locais particulares”, disse.
Cuiabá retomou a vacinação nesta segunda-feira, mas as 800 doses recebidas na semana passada são insuficientes para abastecer toda a rede pública da capital, que já vinha adotando o racionamento. “Por causa do quantitativo baixo, estamos aplicando em horários e locais predefinidos”, afirmou a Secretaria de Saúde.
No Distrito Federal, há racionamento. Segundo a Secretaria de Saúde, para prevenir a falta de doses, a SES/DF reorganizou os serviços de vacinação pelas regiões de saúde, priorizando os pedidos de maternidades. Em Sorocaba, no interior de São Paulo, desde o início de julho a aplicação de nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) passou a ser feita apenas mediante agendamento. Conforme a Secretaria de Saúde do município, a medida visa ao melhor aproveitamento das 20 doses disponíveis em cada frasco que, depois de aberto, precisa ser usado em um período de seis horas.Em Campinas, a aplicação da BCG é feita em horários e dias específicos.
O problema
O desabastecimento da vacina começou quando a única fábrica autorizada a produzir o imunizante no País, a Fundação Ataulpho de Paiva (FAP), no Rio, suspendeu a produção em 2016, após uma vistoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) constatar “práticas em desacordo com as normas”. Após a suspensão da fabricação nacional, o Brasil passou a obter doses de BCG com o Fundo Rotatório da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço regional da Organização Mundial da Saúde.
Queixas
Em maio deste ano, a pasta enviou uma circular aos Estados informando que diminuiria de 1,2 milhão para 500 mil o número de doses enviadas mensalmente pela dificuldade de compra e pela baixa disponibilidade nos estoques. No mês seguinte, entidades médicas e científicas brasileiras alertaram, em uma carta enviada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), para a falta da vacina BCG no País.
Em resposta, a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde afirmou que, mesmo tendo reduzido em 50% o envio de vacinas aos Estados, a quantidade é suficiente para o total de crianças nascidas em cada unidade da Federação. Em média, no Brasil, nascem 228 mil crianças por mês e o total de imunizantes distribuídos varia de 480 mil a 500 mil doses mensais.
Processo
Procurado pelo Estadão, o ministério negou que haja desabastecimento e disse que os estoques deverão ser regularizados até meados de setembro. Em nota, a pasta informou que “a readequação do quantitativo ocorreu por conta da tramitação do processo de aquisição, que envolve compra, desembaraço alfandegário e autorização pela Anvisa para a entrada do produto no País, que posteriormente é enviado para análise do controle de qualidade do INCQS antes de ser distribuído”.
Cobertura vacinal está em 55,81%
Para a Sociedade Brasileira de Imunização, “as falhas na logística e de importação, pelo MS, têm comprometido o fornecimento e contribuído para sucessivas quedas na cobertura vacinal da BCG”. Segundo dados atualizados pelo ministério até o dia 6, o índice está em 55,81% neste ano. O ideal, afirma a vice-presidente da entidade, Isabella Ballalai, seria de pelo menos 90%.
Ela afirma que os municípios foram aconselhados a otimizar o uso da vacina. Um frasco tem 20 doses e precisa ser totalmente consumido até seis horas após aberto. Para não perder nenhuma dose, as prefeituras passaram a concentrar a aplicação da BGC em determinados dias e horários da semana em um número menor de postos de saúde.
Em condições normais, o procedimento de rotina é a criança já sair da maternidade vacinada. Desde que se passou a otimizar o uso do frasco no País, isso nem sempre vem ocorrendo. “Muitos bebês estão deixando o hospital sem serem vacinados, e a mãe precisa ir ao posto, no primeiro mês de vida. Às vezes, ela chega lá e não é o dia da vacinação. Isso leva ao que chamamos de oportunidade perdida e diminui a adesão, porque muitas não vão voltar”, diz Isabella Ballalai.
No centro de saúde Conjunto Santa Maria, em Belo Horizonte, a vacina BCG não chega há meses. Uma agente de saúde local conta que as mães que vão ao postos são orientadas a procurar o único centro de saúde da região centro-sul da capital mineira que atualmente fornece as doses, no bairro Santa Lúcia. Algumas acabam desanimando e adiando a vacinação.
Prazo
O ideal é que a BCG seja ministrada até os 28 dias de nascimento, mas ainda pode ser aplicada até os 4 anos, 11 meses e 29 dias de vida. A janela de tempo, no entanto, é grande demais para os riscos de contágio. Além de proteger contra a tuberculose, o imunizante reforça o sistema imunológico da criança contra outras doenças. “Para uma vacina que deveria ser fornecida na maternidade, que não sofre nenhum ataque de movimentos antivacina, como ocorre com a do HPV e a da covid, não é uma situação normal. Isso leva à hesitação vacinal”, avalia a vice-presidente da SBIM. “Tem outros fatores que fazem a cobertura vacinal cair: as oportunidades perdidas, a dificuldade de acesso e a não percepção de risco. Então a vacinação sai da minha lista de prioridades.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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