TATIANA CAVALCANTI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A médica e professora universitária Elodie Bomfim Hyppolito, 51, tinha um hábito que dificilmente quebrava nas tardes de sexta-feira, quando geralmente tinha tempo livre: o de lotar o porta-malas de seu carro popular com agaves, dionélias, jiboias e outras plantas. A prática começou em agosto de 2020, quando ela resolveu cultivar um jardim no hospital público federal onde trabalha, em Fortaleza (CE), como forma de enfrentar a depressão e o burnout, causados pela pandemia.
A partir daí, ela não parou mais. Nas semanas seguintes, passou a plantar também bromélias, dipladênias, rosas do deserto, samambaias e papoulas em jardim que atualmente já soma mais de 30 espécimes no Hospital Universitário Walter Cantídio, do Complexo Hospitalar da UFC/Ebserh. A atividade era interrompida pela rotina de atendimento a pacientes que seriam submetidos a transplante de fígado.
Em um movimento liderado pela hepatologista, as plantas começaram a ser doadas por funcionários e pacientes, e uma arrecadação entre a equipe de transplante de fígado, da qual ela faz parte, acumulou cerca de R$ 5.000 para a compra de mais mudas. Hoje já são 200 somente nesse hospital, em um espaço de 60m², que inclui uma sala de espera arborizada, antes um galpão inutilizado.
“Ter um jardim é altamente curativo para os pacientes, mas também é positivo para a autoestima dos funcionários. Nos minutinhos do café ou do lanche, acaba humanizando [a equipe] e nos fortalece para cuidar com ainda mais atenção e carinho dos pacientes”, afirma a médica jardineira, funcionária pública há 26 anos.
O comerciante Dickesney Carneiro Sá, 49, aprova o jardim do hospital universitário e até colabora com ele. “Lembra minha casa, é confortável e me traz tranquilidade. É um calmante natural. Me sinto privilegiado por estar em um lugar assim. Esse contato com a natureza ajuda a valorizar a relação humana.”
Carneiro Sá, que é de Xinguara, no Pará, passou por um transplante de fígado há quatro anos no hospital cearense. Nas consultas de retorno com a doutora Elodie, aproveita e leva uma muda para o jardim.
“Trouxe uma amoreira gigante e um cróton, que são da minha região. Deixam o ambiente arborizado e isso nos faz muito bem.”
A ideia do jardim deu tão certo que, em outubro de 2021, foi levada para o Hospital São José de Doenças Infecciosas, que é estadual, onde Elodie atua como coordenadora do Ambulatório de Hepatites. Os funcionários de lá também abraçaram a causa e igualmente arrecadaram R$ 5.000 para a compra de mudas para começar a colorir e perfumar o ambiente hospitalar.
“Muitas pessoas têm receio de entrar nessa unidade de saúde com medo de contrair alguma infecção, o que, sabemos, não faz sentido. Mas elas acabam acolhidas e atraídas por aquele jardim. Parece uma casa, de tão confortável. Após tantas tristezas na pandemia, o hospital estava precisando desse alto astral”, diz Elodie.
Até pássaros e borboletas aproveitam o espaço verde em ambos os hospitais, onde já estão acontecendo obras de ampliação dos jardins para dar espaço a atividades como meditação. No estadual, onde 400 mudas já foram plantadas, uma parte da área será usada para terapia ocupacional.
“Não há ainda ali um local com mais privacidade para pacientes que recebem o diagnóstico de HIV, tuberculose e hepatites, por exemplo. Esse cantinho verde terá essa função, além de ser mais acolhedor.”
Elodie destaca a ajuda que recebe de dez funcionários para cuidar dos dois jardins, entre jardineiros, chefe de manutenção, farmacêutica e outros. “É um trabalho fundamental de conservação realizado por essas pessoas incríveis que acabam trazendo um pouco de seus conhecimentos.”
Durante praticamente toda a história da medicina, os ambientes hospitalares são tidos pelo grande público como estruturas tristes, com uma cor pálida, sem brilho e até entristecedor, por ser um local de sofrimento, dor e choro, de acordo com Edson Buhamra, diretor-geral do Hospital São José.
“Mas um pensamento mais moderno de decoração desses lugares está mudando essa realidade. Por isso a doutora está de parabéns com essa iniciativa. Isso transforma. O ambiente limpo, cheiroso, organizado, com verde e com flores muda o astral do paciente e de quem o visita, é realmente transformador.”
A jardinagem que cura Afastada do trabalho por 45 dias no auge da pandemia, quando teve os diagnósticos de depressão grave e exaustão no trabalho ao atuar na linha de frente, a hepatologista Elodie diz que a jardinagem ajudou a reverter esse quadro.
“O hospital estadual se transformou em uma grande UTI de 120 leitos, onde tivemos que assistir a um calvário de mortes, infelizmente. Adoeci mentalmente, como muitos, não fui a única. Mas cultivar as plantas foi uma terapia tão poderosa que dei alta à minha terapeuta.”
A hepatologista conta que corrige aqueles que a parabenizam pelo “seu” jardim. “Quando algum paciente ou funcionário passa por aquela miniselva e fala que ‘meu’ jardim está lindo, corrijo: ‘nosso jardim, de todos nós’.”
Segundo a médica, jardins, geralmente, são considerados coisa supérflua nos serviços públicos, são maltratados e até malcuidados, às vezes. Mas o nosso se transformou em uma ferramenta poderosa e muito mais importante do que a gente imaginava.”
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