RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Após ficar 15 dias em um abrigo de Petrópolis, devido à chuva que devastou a cidade em 15 fevereiro deste ano, Joana Barros de Azevedo achou que poderia recomeçar a vida. Decidiu, então, voltar para casa no bairro de Chácara Flora, mas ficou pouco tempo no imóvel.
Na noite de domingo (20), um novo temporal caiu sobre o município da região serrana do Rio de Janeiro, fazendo Joana buscar abrigo na Igreja Santo Antônio, em Alto da Serra, e a obrigando a reviver a tragédia que deixou 233 mortos no mês passado.
“Não deu nem tempo de a cidade se recuperar e já teve mais tragédia, mais morte, mais deslizamento. Nós estamos na mão de Deus.”
Moradora do bairro de Chácara Flora, um dos mais atingidos em fevereiro, ela conta que decidiu ir para a igreja quando a chuva começou. No meio do caminho, o temporal acabou se intensificando.
“Desceu aquela lama do Morro da Oficina e quase que a gente morreu afogada na praça aqui debaixo. A gente estava vindo para cá só que não deu tempo e começou a encher muito rápido. Chegamos aqui cheias de lama e barro”, diz ela ao lado da filha Eva Barros de Azevedo, que mora na rua Otto Reymarus, em Alto da Serra.
Eva explica que decidiu sair de casa porque perto do imóvel há uma pedra que ameaça rolar e, logo atrás dele, existe uma encosta que pode deslizar. Apesar dos riscos, ela diz que decidiu voltar para o local por não ter mais para onde ir.
“Tenho pavor de ficar na minha casa. Preciso do aluguel social. Cheguei a me cadastrar, mas até agora nada. Não falam nada para a gente”, diz ela.
Ao menos cinco pessoas morreram na chuva de domingo (20) e quatro estão desaparecidas, segundo o Corpo de Bombeiros. Dois óbitos ocorreram no Alto da Serra, dois na região central e um no bairro Valparaíso. Trinta e quatro pessoas foram resgatadas com vida.
“Quando chove, tem que sair todo mundo. Ninguém aguenta. Chega uma hora que não dá. Tem gente que está há um mês aqui e ainda não conseguiu o aluguel social.”
É esse o caso de Natália Lucinda Ângelo, 36, que está abrigada na igreja desde 15 de fevereiro. “Já comecei a ver um monte de casa para aluguel social, mas todo mundo corre. Eles dizem que só com dinheiro na mão. Assim fica difícil. Eu estou há um mês e seis dias aqui e nada ainda”, afirma ela.
“Todo mundo já foi embora e eu ainda estou aqui esperando uma solução. Não tenho para onde ir”, diz ela, que está no abrigo com os três filhos e o marido. “Acho que sou a mais velha aqui na paróquia esperando uma casa sair e até agora nada. Sinto que estou jogada. Parece que as autoridades me jogaram aqui e não fazem nada.”
Após as sucessivas tragédias, ela diz que tem medo de continuar morando em Petrópolis. “Meu pai mora na Baixada Fluminense e diz para eu ir para lá, porque aqui está horrível. A gente não tem segurança nem em áreas planas. Imagina em morro?”, diz a auxiliar de produção.
Já o empresário Marcelo Wiskutzki diz que voltou a ter perdas em razão das chuvas. Em fevereiro, a galeria de lojas da qual é dono foi alagada, o que voltou a acontecer neste domingo.
“Fiquei a madrugada toda tirando lama de dentro das lojas. Graças a Deus a igreja ajudou a gente nessa força-tarefa. A gente pede ajuda do poder público, paga nossos impostos, mas é como se não tivesse pagando nada, porque não temos apoio nenhum”, diz ele, acrescentando que não conseguiu acesso ao crédito emergencial disponibilizado aos comerciantes atingidos pelas chuvas.
“Eu estou mais de um mês pedindo essa verba, mas não saiu nada. Está muito difícil”, afirma o empresário, para quem é assustador viver de novo a mesma tragédia. “A gente não consegue dormir. O centro da cidade está todo destruído. A rua Teresa estava começando a se reerguer, mas está tudo devastado de novo. É outra tragédia. A gente não aguenta mais.”
Em nota, a Prefeitura de Petrópolis diz que o aluguel social será pago em abril, como foi combinado com o governo estadual.
“A Prefeitura reconhece que a oferta de imóveis na cidade está abaixo do que seria ideal e nesse sentido promove sensibilização com proprietários e imobiliárias a fim de destinação de habitação segura para as vítimas da chuva”, diz a prefeitura, destacando que “todas as pessoas que estavam nos abrigos foram cadastradas e receberão o benefício”.
Quanto à situação dos empresários, o poder municipal diz que disponibilizou uma linha de crédito, mas não explicou por que alguns comerciantes não conseguiram acessar ainda o recurso.
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