JOÃO GABRIEL
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Parlamentares da comitiva do Congresso que foram a Roraima com a missão de apurar as denúncias de violência contra os índios yanomamis faltaram a compromissos do grupo para comparecer a outras agendas da política local.
A diligência durou três dias e foi encerrada na última sexta-feira (13). O senador Chico Rodrigues (União Brasil-RR) faltou em grande parte do dia em que aconteceram encontros com PF (Polícia Federal), políticos locais e outras entidades.
Durante a manhã de quinta, os parlamentares se reuniram com representantes da Funai (Fundação Nacional do Índio), do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Rodrigues estava em um evento do governo do estado, que anunciou a autorização para o início das obras de duplicação de uma rodovia local.
A obra –que, segundo divulgou o governo, custará R$ 24 milhões– recebeu R$ 12 milhões do Ministério do Desenvolvimento Regional por intermédio do senador, que fez o lobby junto à pasta para que o montante fosse investido no local.
Segundo relatos de pessoas presentes nas reuniões, Chico Rodrigues chegou somente depois do meio-dia, durante reunião com o Exército. Em parte do pouco tempo em que esteve no encontro, ficou ao celular.
Na agenda seguinte, o encontro com políticos locais na Assembleia Legislativa, ele não estava presente –e também não foi visto mais.
Procurado pela Folha, ele enviou, por meio de sua assessoria de imprensa, uma relação de presença nas agendas da comitiva. Nela, ele consta como ausente em todos os compromissos a partir do encontro na assembleia –com exceção do horário de almoço, em que consta como presente.
Também aparece como presente nos compromissos na parte da manhã de quinta (quando ocorreram os encontros com Funai, Ibama e ICMBio). No entanto, diversas pessoas que estiveram nesses encontros afirmam que ele não estava.
Além disso, ele aparece em imagens do evento do governo do estado na parte da manhã e ele próprio publicou um vídeo sobre esse compromisso –sua assessoria disse que a agenda se justifica porque a obra é de extrema importância para a região e ajuda a resolver os problemas da estrada conhecida como “rodovia da morte”.
O senador tem nos garimpeiros muitos de seus eleitores. Ele é autor de propostas para construir linhas elétricas que passem por terras indígenas, é favorável à regulamentação da atividade de mineração nessas áreas, defende a ideia do “garimpo artesanal” e já sugeriu que deve-se impor limites à atuação de fiscais da Funai e do Ibama.
“O senador entende que a falta de regulamentação tem favorecido, até então, a atividade ilegal nas aldeias indígenas, o que contribui para o contrabando e enriquecimento ilícito de entidades estrangeiras. No entanto, não se deve aplicar juízo de valor e criminalizar os garimpeiros, que são trabalhadores dignos, que buscam o sustento de suas famílias com o que tiram do solo”, afirmou, em nota, a sua assessoria de imprensa.
Já o senador Telmario Mota (Republicanos-RR) não participou de nenhuma das agendas da quinta-feira, segundo dia da diligência.
Procurado, ele afirmou que cumpriu outros compromissos com lideranças locais, para tratar de problemas da região –ele é natural de Roraima, mora no estado e fez carreira política por lá.
“Não fui para evitar um constrangimento. [A comitiva] perdeu o foco. Eu não podia levar aquelas demandas para PF, Ibama, porque eu não sentia consistência nas denúncias para cobrar os órgãos fiscais, eu ia fazer papel de bobo da corte. Eu queria cobrar os órgãos com base em verdades. Faltou representatividade entre as lideranças indígenas ouvidas, eu não senti aquela dor verdadeira neles”, afirmou.
Ele reclama que o encontro com as lideranças indígenas não teve, por exemplo, a presença de Junior Hekurari –presidente do Condisi-YY (Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana) e principal responsável pelas recentes denúncias de cooptação e violência por parte dos garimpeiros.
Hekurari estava em São Paulo para o atendimento médico de uma yanomami que não sabe falar português e precisava de um acompanhante.
Segundo documentos aos quais a Folha teve acesso, ele solicitou à Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) que sua viagem de volta fosse remarcada para que ele pudesse acompanhar a diligência, mas a pasta afirmou a ele que não poderia atender ao pedido, porque o sistema para compra e emissão de passagens estava fora do ar.
Ainda no primeiro dia da diligência, durante o encontro fechado com povos locais, Telmario Mota protagonizou uma cena que, segundo presentes, causou constrangimento.
“Companheiro, você que não sabe falar português, levanta a mão esquerda. Essa aliança é de ouro?”, perguntou para um indígena, sendo rebatido inclusive por outros parlamentares.
“Não faz parte da cultura do índio, ainda mais um que não fala português, usar aliança. Eles usam pena, semente, essas coisas. Ele ficou constrangido porque viu que estava mentindo. Se ele não fala nem português, o que significa uma aliança para ele? Quis mostrar que tinha alguma coisa errada ali”, explicou depois à reportagem.
Com relação ao seu apoio à regulamentação do garimpo, Mota diz que defende o direito dos povos, mas também defende que Roraima precisa dar oportunidade àqueles que precisam.
Após uma reunião com políticos na Assembleia Legislativa de Boa Vista, a comitiva de parlamentares foi surpreendida, quando saía do local, por uma manifestação de garimpeiros que colocou um carro de som em frente à Casa e soltou fogos de artifício durante o encontro.
Segundo vídeos publicados nas redes sociais, o ato teve presença de figuras do movimento garimpeiro que tem atuação política: Rodrigo Cataratas, presidente do Movimento Garimpo Legal e pré-candidato a deputado federal pelo PL; Cacau Lima, pré-candidato a deputado federal pelo Podemos; e João Batista, conhecido como “João dos Iphones”, presidente do PTB local.
A diligência terminou nesta sexta. Agora, será produzido um relatório conjunto entre Câmara, Senado e entidades do setor, que posteriormente será apresentado ao Congresso.
“O que a gente pôde confirmar é que aquilo [denúncia] de fato é comum, aconteceu em outros lugares. Pode ser que o fato específico da menina de 12 anos que teria sido estuprada não tenha ocorrido, mas esse tipo de coisa acontece com certa frequência. A exploração sexual, a violência, existe. E não é um problema meramente de quem está lá, é um problema de quem financia o garimpo ilegal, de quem ganha dinheiro com isso”, afirmou Humberto Costa sobre a viagem.
Os parlamentares ainda pretendiam visitar a região de Aracaçá –onde fica a aldeia onde yanomamis foram cooptados por garimpeiros, segundo um líder indígena.
A Aracaçá foi encontrada vazia e parcialmente queimada dias depois da Condisi denunciar que uma jovem de 12 anos havia sido estuprada e morta –a Polícia Federal, que investiga o caso, diz que até agora não encontrou evidências do crime.
Só é possível chegar até lá de helicóptero ou avião. No entanto, a diligência não pôde ir ao local, como semanas atrás fez a PF, porque o Exército negou o pedido de apoio logístico feito pelo senador Humberto Costa.
A violência de garimpeiros contra yanomamis em Roraima não é novidade. Na noite da última quinta-feira (5), por exemplo, a PF prendeu um condenado de participar do massacre do Haximu, ataque do garimpo que deixou 12 indígenas mortos, em 1993.
Em 2021, a região de Palimiú (vizinha de Aracaçá) sofreu ataques de garimpeiros armados. Em 2020, uma decisão do Tribunal Regional Federal determinou que o governo federal retirasse o garimpo ilegal da terra Yanomami em Roraima, o que ainda não aconteceu.
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