(FOLHAPRESS) – O crescimento da produção do pré-sal colocou o Brasil entre os grandes exportadores de petróleo do mundo, encheu cofres de estados e municípios, mas não garantiu a redução da dependência de combustíveis importados, que poderia segurar os preços num cenário de crise como o atual.
Entre 2010, quando o primeiro poço entrou em operação, no Espírito Santo, e 2021, a produção nacional de petróleo e gás saltou 53% e a arrecadação com royalties e participações especiais quase dobrou até bater o recorde de R$ 78,4 bilhões, em 2021.
Com grandes reservas ainda a entrar em operação, a tendência deve se manter pelos próximos anos, segundo especialistas no setor. Até 2026, destaca a consultoria Bip, projetos do pré-sal operados pela Petrobras devem receber mais oito plataformas de produção.
O grande desafio do país é como refletir essa bonança no setor de refino, hoje deficitário na produção de gasolina e diesel, o que leva a Petrobras a defender uma política de preços baseada no conceito da paridade de importação, que simula quanto custaria para trazer os combustíveis do exterior.
Sem ela, argumentam a estatal e o setor de combustíveis, empresas privadas não têm disposição para importar, colocando em risco o abastecimento do mercado. Em alertas recentes ao governo, a Petrobras chegou a dizer que o país já pode sentir problemas no abastecimento de diesel no início do segundo semestre.
Enquanto a produção de petróleo disparou após o início das operações no pré-sal, a produção nacional de combustíveis teve alta de apenas 5,4%. Nesse período, o Brasil colocou apenas uma nova refinaria em operação, ainda assim incompleta: a primeira fase da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.
Sem novo refino, o país precisa comprar no exterior cerca de 25% do diesel e 7% da gasolina que consome. Para especialistas, um mercado com esse potencial não atraiu investimentos de refino por fatores que vão de excesso de capacidade global nas últimas décadas a riscos de intervenção no preço dos combustíveis.
Ex-diretor-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) e com carreira na Petrobras, Décio Oddone lembra que a Petrobras teve que priorizar investimentos diante do elevado endividamento na primeira metade dos anos 2010.
“Entre colocar dinheiro em produção de petróleo e refinaria, melhor ter produção de petróleo”, afirma. No governo Lula, a estatal planejou quatro novas refinarias, com grande foco na produção de diesel, mas apenas parte de uma saiu do papel.
A Refinaria Abreu e Lima foi a última a entrar em operação no país, com uma capacidade de 115 mil barris por dia. Uma segunda fase, com capacidade de 145 mil barris por dia, foi suspensa após desistência da Venezuela, que era sócia no empreendimento. Em 2021, a estatal anunciou que retomará as obras.
Outros três projetos de refinarias, no Rio de Janeiro, no Ceará e no Maranhão, foram totalmente abandonados após o início da Operação Lava Jato, que investigou esquema de corrupção nas encomendas da Petrobras.
Apesar da crise global de suprimento de combustíveis, que elevou as margens de refino a patamares recordes, o mercado não espera grandes investimentos em ampliação da produção de derivados de petróleo no país para os próximos anos.
A expectativa é de aumentos marginais, tanto em ampliação de unidades que já foram ou ainda podem ser vendidas pela Petrobras quanto em pequenas refinarias para atender mercados localizados. Isto é, o Brasil continuará dependendo de importação de combustíveis.
Na avaliação de Oddone, mesmo que passasse a exportar, o impacto nos preços seria pequeno. Em um cenário de preços livres, explica, as refinarias passariam a adotar a paridade de exportação, que difere da paridade de importação apenas nos custos logísticos para trazer os produtos.
Mesmo com a elevada dependência no suprimento de combustíveis, o acelerado crescimento da produção do pré-sal trouxe benefícios à balança comercial brasileira. Em 2021, a conta de petróleo e combustíveis teve um superávit recorde de US$ 19 bilhões, quase quatro vezes o verificado cinco anos antes.
O presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro, destaca que o setor foi responsável por quase um terço do superávit comercial brasileiro em 2021. Diante da alta volatilidade das cotações internacionais, a entidade não faz projeções para o saldo do setor em 2022.
Receita com petróleo dispara, mas fica concentrada no RJ
Em julho de 2021, a Prefeitura de Saquarema, a 115 quilômetros do Rio de Janeiro, anunciou “o maior pacote de obras da história” do município, com investimentos em drenagem, pavimentação, urbanização e modernização de pontos turísticos da cidade.
O pacote, batizado de “Saquarema não para”, transformou a cidade em um grande canteiro de obras e é o efeito mais visível da entrada do município na lista dos novos-ricos do petróleo do país, hoje liderada pela vizinha Maricá e por Niterói.
Juntas, as três cidades concentraram em 2021 cerca de um terço dos recursos do petróleo destinados a municípios brasileiros. Só Maricá recebeu R$ 2,4 bilhões em royalties e participações especiais, segundo dados do Inforoyalties. Niterói ficou com R$ 1,9 bilhão, e a emergente Saquarema, com R$ 600 milhões.
As duas primeiras estão em frente ao campo de Lula, maior produtor de petróleo do país. Saquarema subiu na lista após o início, em 2018, da produção em Búzios, o maior campo de petróleo em águas profundas do mundo e hoje o principal polo de investimentos em produção da Petrobras.
O valor recebido pela cidade em 2021 é quase dez vezes superior ao verificado cinco anos antes, e a perspectiva é que o crescimento se acentue: levantamento feito pelo consultor Jean Penatti, da Bip, indica que Búzios receberá quatro novas plataformas até 2026.
A prioridade em infraestrutura segue exemplo dos municípios líderes em arrecadação. Com os cofres começando a encher, Maricá anunciou o asfaltamento de mais de 400 quilômetros de vias públicas. Niterói, por sua vez, concluiu grandes obras viárias prometidas há anos.
As cidades mais ricas listam outros destinos para o dinheiro, como a criação de fundos soberanos para investir parte dos recursos, de programas de renda básica e até de moedas sociais, como a Mumbuca e a Arariboia, de Maricá e Niterói, respectivamente.
Durante o período mais crítico da pandemia, os cofres cheios permitiram a criação de programas de apoio a população e empresários locais, com a distribuição de cestas básicas e auxílios financeiros.
Estudo feito pela consultoria Macroplan a pedido da Folha mostra, porém, que municípios beneficiados por dinheiro do petróleo não apresentam necessariamente indicadores sociais melhores do que as outras cidades brasileiras.
“De maneira geral, eles evoluem ante seu próprio desempenho no passado, mas evoluem menos quando comparados a referenciais externos”, diz o diretor da consultoria Gláucio Neves.
O desempenho costuma ser pior na área de segurança pública: seis dos maiores beneficiados pelo dinheiro do petróleo no país –Campos dos Goytacazes, Maricá, Macaé, Rio das Ostras e Niterói– têm taxas de mortalidade superiores à média nacional.
Os indicadores variam bastante entre os municípios, mas os dados da consultoria mostram também dificuldades nas taxas de matrículas em creches e no cumprimento de metas educacionais do ensino fundamental.
“Estamos empenhados nos exercícios de planejar e construir o futuro”, disse, em nota, o prefeito do município, Fabiano Horta (PT), que comemorou recentemente a marca de R$ 1 bilhão no fundo soberano da cidade. “Mas o petróleo um dia vai acabar, além de não pertencer à matriz energética limpa.”
A receita de royalties e participações especiais do petróleo é dividida entre municípios próximos a campos produtores ou com instalações ligadas à indústria, estados produtores e União. Em 2021, o governo federal ficou com 41,6% do total distribuído, enquanto estados ficaram com 35,5%, e prefeituras, com 22,9%.
Sozinha, a União levou R$ 29,6 bilhões, segundo dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis). Levantamento da IFI (Instituição Fiscal Independente) mostra, porém, que a execução dessa receita tem ficado abaixo do esperado.
Em 2021, por exemplo, o governo repassou menos do que o valor orçado para áreas como ciência e tecnologia, meio ambiente, defesa e saúde, por exemplo.
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