BEATRIZ VILANOVA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após mais de dez anos de uma carreira ascendente, Alok se prepara para lançar seu primeiro álbum de estúdio. Mas ao invés de compilar seus sucessos da música eletrônica, ele escolheu criar um projeto inovador em sua carreira: um disco apenas com cantos em língua indígena, acompanhado de um documentário com a mesma temática.
“Queria fazer com que as pessoas ouvissem o que a floresta tem a dizer. E a melhor tradução, na minha opinião, é através dos cantos indígenas, que são os cantos ancestrais da floresta”, diz ele em entrevista ao F5. “Tive esse chamado, de fazer meu primeiro álbum inspirado nas raízes indígenas. Porque mesmo que você não entenda a língua, você a sente”.
O “chamado” ao qual ele se refere ocorreu no início de 2021, durante uma cerimônia espiritual com ayahuasca (chá enteógeno muito usado com propósitos de busca e cura espiritual). “Eu faço cerimônias com ayahuasca uma vez por ano, geralmente. Mas quero reforçar que é um trabalho muito sério, feito com muito respeito. Acredito que a ayahuasca é para todos, mas nem todos são para ela”, diz.
Durante esse evento, Alok diz ter se perguntado sobre o futuro, e de dentro de si, recebeu uma resposta: o futuro é ancestral. “Comecei a me reconectar com a ancestralidade dos povos indígenas. Falamos muito sobre como o futuro é apocalíptico, aquele lugar de cidades néons, carros voadores, sem natureza. Mas por que o futuro não pode ser um indígena numa canoa, no meio do rio Amazonas, com aparelhos super sofisticados e centros de pesquisa científica integrados à natureza?”
A partir disso, nos vários meses de imersão e trabalho, Alok e sua equipe de produção se reuniram com 12 aldeias brasileiras a fim de encontrar uma forma para que o DJ se tornasse um instrumento para essas vozes.
Segundo ele, o documentário retrata este momento de colaboração e busca uma “ressignificação no imaginário coletivo” através de algumas perguntas-chave: o que são os indígenas? Qual a importância da floresta? Que mundo vamos deixar para os nossos filhos -e que filhos vamos deixar para esse mundo?
A previsão de lançamento do álbum é para este ano, mas a data permanece indefinida, uma vez que a estreia estará alinhada ao documentário -este, por sua vez, deverá seguir o calendário de inscrições para concorrer às premiações e festivais de cinema. Uma vez lançado, o lucro com o projeto será integralmente revertido para o apoio às aldeias indígenas participantes, afirma Alok.
O cantor já foi vencedor da categoria melhor remix pela premiação International Dance Music Awards e eleito o 4º melhor DJ do mundo pela revista especializada DJ Mag.
‘MEU AMOR’ E PARCERIA INUSITADA
No último dia de gravações do novo álbum, Alok participou de uma outra cerimônia espiritual com ayahuasca, organizada pelo cacique Mapu Kuî, do povo Huni Kuî. Ao redor de uma fogueira, o grupo entoou cânticos indígenas, e foi quando o DJ descobriu a voz de Hugo Gabriel Messias Pantoja, 19, que nasceu fora da comunidade indígena, mas passou a viver no Centro Huwã Karu Yuxibu em Rio Branco sob o nome de Ixã.
“Ixã ficou sete dias sem falar nada [durante o projeto]. Achei que ele era muito tímido. Quando ele começou a cantar, não entendi nada. Não estava acreditando que era ele cantando”, relembra Alok, que se encantou com a voz “angelical” do rapaz.
O DJ então teve a ideia de convidar Ixã para uma música à parte do projeto, lançada no início de março com o nome “Meu Amor”. “Uma das músicas mais especiais que já produzi na minha carreira”, garante o DJ. “Não só pelo contexto em que ela surgiu, mas pelo sentimento que me desperta”.
Essa é a estreia de Ixã no mercado fonográfico, embora ele toque violão e componha canções de maneira autodidata desde os 9 anos de idade. Em entrevista à Folha de S.Paulo, o jovem diz que escreveu a letra de “Meu Amor” e definiu os principais acordes dela ainda em 2017.
“Sou muito inseguro em relação aos sentimentos, e queria encontrar uma forma de me declarar -no sentido de amor romântico, na época”, lembra. “Quando o Alok me chamou para gravar, eu mostrei algumas músicas e a ‘Meu Amor’ estava entre elas. Foi a escolhida”.
“Quando Ixã cantou só o refrão -‘Meu amor é seu, e o seu amor sou eu’- a primeira coisa que veio à minha cabeça foi: como alguém nunca escreveu uma letra assim, tão simples e tão eficiente?”, complementa Alok. “Resumindo: sorte a minha de conseguir descobrir esse cara. Eu ganhei na loteria”.
Para este ano, Ixã quer buscar mais parcerias e montar-se como artista para o mercado, algo que ele sempre almejou. “Vejo a música como uma forma de movimento, um instrumento de ação e transformação. Através dela, damos espaço para histórias que precisam ser contadas, como as de comunidades indígenas”.
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