MARCOS GUEDES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O sucesso recente de treinadores estrangeiros no futebol do Brasil não convenceu boa parte da população a respeito da possibilidade de a seleção nacional ser dirigida por um profissional de fora. Essa hipótese é rejeitada por 55% da população, segundo a mais recente pesquisa Datafolha.
O levantamento foi feito nos dias 27 e 28 de julho. Foram ouvidas 2.556 pessoas de 16 anos ou mais em 183 municípios. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, dentro do nível de confiança de 95%.
Houve considerável aumento na rejeição em relação à pesquisa anterior. A mesma pergunta foi feita no final de 2019 -em verificação também com margem de erro de dois pontos percentuais-, quando 46% se mostraram contrários ao comando estrangeiro no time verde-amarelo.
Na ocasião, 39% disseram ser a favor. Esse número agora caiu para 30%. Diante do questionamento de 2022, houve 8% que se declararam indiferentes sobre a nacionalidade do técnico do Brasil, e outros 7% afirmaram não saber o que responder.
O primeiro levantamento se deu nos dias 5 e 6 de dezembro de 2019, não muito tempo depois de o português Jorge Jesus ter conduzido o Flamengo ao título da Copa Libertadores. O convincente futebol rubro-negro quebrou recordes, como o de pontuação no Campeonato Brasileiro.
Meses mais tarde, Jesus partiu, deixando saudade nos flamenguistas e um sucessor em terras brasileiras. As edições 2020 e 2021 da Libertadores, a taça mais cobiçada da América do Sul, tiveram triunfo de outro português, Abel Ferreira, do Palmeiras, vivíssimo na luta pelo tri.
Esses resultados, aliados à percepção (verdadeira ou não) de que treinadores brasileiros outrora vitoriosos haviam se tornado obsoletos, levou vários times a buscar profissionais no exterior. O Campeonato Brasileiro deste ano começou com forasteiros à beira do gramado em nove das 20 equipes da Série A.
A estabilidade deles, porém, não foge à regra do Brasil, de frequentes trocas no comando. Hoje, há cinco técnicos estrangeiros no campeonato: três portugueses (Abel Ferreira, do Palmeiras, Luís Castro, do Botafogo, e Vítor Pereira, do Corinthians), um argentino (Juan Pablo Vojvoda, do Fortaleza) e um paraguaio (Gustavo Morínigo, do Coritiba).
Todos esses, em maior ou menor grau, são prestigiados pelas diretorias dos clubes e queridos pelos torcedores. Mas o brasileiro ainda parece resistente à possibilidade de entregar as chaves da seleção pentacampeã a um não brasileiro.
“O entendimento de a rejeição ter aumentado talvez passe menos pela seleção brasileira e mais pelo trabalho desempenhado por treinadores estrangeiros em clubes brasileiros de 2019 para 2022”, diz Marcel Diego Tonini, doutor em História Social pela USP (Universidade de São Paulo).
Ele lembrou, destacadas exceções à parte, que os profissionais do exterior têm sido demitidos com a mesma facilidade dos brasileiros. Só no atual Nacional caíram, deixando imagem ruim, os argentinos Antonio Mohamed (Atlético Mineiro) e Fabián Bustos (Santos), o uruguaio Alexander Medina (Internacional) e o português Paulo Sousa (Flamengo).
“Eles tiveram seus trabalhos contestados e, consequentemente, seus contratos rompidos. Isso, provavelmente, explica a maior rejeição à presença de um treinador estrangeiro na seleção brasileira em 2022 do que em 2019”, afirma Tonini, referindo-se também às demissões dos últimos dois anos.
Tite, que comandou a equipe nacional na Copa do Mundo da Rússia, em 2018, e será seu comandante no Mundial do Qatar, em 2022, já avisou que não permanecerá em 2023. E o presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Ednaldo Rodrigues, mostrou-se aberto a apostar em um estrangeiro -como ocorre na equipe feminina, dirigida pela sueca Pia Sundhage.
Se isso de fato ocorrer, haverá narizes torcidos de todos os tipos. Em qualquer recorte que se faça da pesquisa Datafolha, seja por sexo, faixa etária, escolaridade, renda familiar, região, cor, religião, grau de interesse na Copa ou candidato favorito na eleição presidencial, os contrários superam os favoráveis.
Há, porém, nuances. Os homens, por exemplo, demonstram abertura maior a um técnico de fora (36% a favor, 53% contra, com margem de erro de três pontos percentuais) do que as mulheres (24% a favor, 57% contra, com a mesma margem de erro).
Já os mais velhos são os mais reticentes. Apenas 21% são a favor entre os brasileiros com mais de 60 anos, com 64% contra. Na faixa dos 25 aos 34, são 36% a favor, 50% contra. Nos dois casos, a margem de erro é de quatro pontos.
“Que há um certo tabu em relação à seleção brasileira masculina, há. Não nos esqueçamos que tivemos apenas duas singulares e especiais experiências com estrangeiros em seu comando: Joreca [português], em 1944, e Filpo Núñez [argentino], em 1965”, afirma Tonini, hoje membro do Centro de Referência do Futebol Brasileiro, do Museu do Futebol.
“É possível que a boa experiência com Pia Sundhage na seleção brasileira feminina sirva de base para a CBF especular a presença de um estrangeiro no time masculino, bem como sentir a reação de torcedores, de jornalistas e dos próprios torcedores brasileiros”, conclui o pesquisador.
Deixe o Seu Comentário