SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Começa com o aumento dos batimentos cardíacos. Depois, a respiração fica ofegante. Pode ocorrer suor nas mãos, dores no estômago e, no caso dos jogadores, o pior, a tensão muscular.
As reações físicas desencadeadas no corpo humano por fatores psicológicos, como o medo e a ansiedade, estão entre os elementos que aumentam o risco de lesões.
Em um ano de Copa do Mundo –marcada para o Qatar, entre 21 de novembro e 18 de dezembro–, o temor de se machucar e perder a oportunidade de ser convocado para defender seu país pode ser justamente o maior perigo para os atletas.
Psicólogos e preparadores físicos explicam que, caso o corpo esteja funcionando em um grau excessivo de tensão provocado, por exemplo, por ansiedade, os músculos estarão mais enrijecidos e mais suscetíveis a contusões.
“Fibras musculares tensionadas perdem flexibilidade, e, no choque ou com deslocamentos, isso pode acabar provocando uma lesão”, diz o psicólogo do esporte Eduardo Cillo, doutor em psicologia pela USP (Universidade de São Paulo).
Ele acrescenta que níveis emocionais elevados afetam a capacidade de visão periférica e a noção de profundidade dos atletas. “Isso impede o jogador de ter uma noção completa a respeito do espaço físico. Nesse sentido, choques que poderiam ser evitados acabam acontecendo, e o risco de lesão é grande.”
A lista de jogadores que já perderam a chance de disputar um Mundial por problemas físicos é extensa e tem nomes como o brasileiro Romário, o alemão Michael Ballack, os ingleses David Beckham e Michael Owen, o holandês Marco Van Basten e o argentino Alfredo Di Stéfano.
Recentemente, o atacante Antony temeu entrar nesse grupo. Ele machucou o tornozelo direito durante o último jogo do Brasil nas Eliminatórias, contra a Bolívia, no final de abril, quando precisou deixar o campo de maca. Exames feitos pelo seu clube, o holandês Ajax, constataram que a contusão é séria e ele não atuará mais nesta temporada europeia, a ser finalizada no meio do ano. Porém deverá se recuperar a tempo de poder ser levado ao Qatar.
De acordo com a Teoria Multidimensional de Ansiedade, proposta por Rainer Martens, psicólogo e professor do Departamento de Cinesiologia da Universidade de Illinois, nos EUA, a ansiedade em atletas é provocada por dois tipos de componentes: cognitivo e somático.
Em seu estudo, publicado em 1990, ele explica que o primeiro está relacionado ao desempenho durante a prática esportiva e suas possíveis consequências, como vitórias e derrotas. Já o segundo está ligado às reações físicas do corpo humano, como aumento dos batimentos cardíacos, respiração mais ofegante e, sobretudo, tensão muscular.
Embora sentimentos como medo e ansiedade sejam comuns e inevitáveis, o ideal é que os atletas consigam encontrar um equilíbrio para lidar com essas emoções e não comprometer seu rendimento.
“As emoções são muito bem-vindas em intensidades adequadas. A ansiedade está relacionada ao planejamento futuro, e o medo, à análise de riscos iminentes. Ou seja, são dois fatores essenciais para a performance de alto rendimento. O ideal é que o trabalho seja conduzido para que o atleta consiga identificar a intensidade favorável dessas emoções para sua performance”, explica a psicóloga do Palmeiras, Gisele Silva.
O trabalho psicológico indicado pela profissional, porém, nem sempre faz parte da rotina dos jogadores. O tema ainda é um tabu no futebol, ao mesmo tempo em que passou a ser destaque em outros esportes por situações envolvendo atletas importantes, como a ginasta americana Simone Biles e o surfista brasileiro Gabriel Medina.
Considerada a melhor atleta do mundo em sua modalidade, Biles desistiu de participar de algumas provas nos Jogos Olímpicos de Tóquio para cuidar de sua saúde mental. Medina abriu mão de defender seu título na liga mundial de surfe deste ano pelo mesmo motivo.
Segundo o psicólogo Paulo Ribeiro, que trabalha no Botafogo, é preciso desmistificar as discussões sobre o tema no futebol.
“As pessoas que lidam com atletas precisam ensiná-los a lidar com as emoções como algo funcional e positivo. A partir do momento em que o atleta consegue se conhecer mais e conhecer suas emoções, ele tem mais ferramentas para lidar com as emoções que envolvem o jogo”, afirma Ribeiro.
Essa necessidade ganhou ainda mais importância no cenário da pandemia de Covid-19. De acordo com um estudo divulgado em abril de 2020 pela Fifpro, sindicato mundial dos jogadores, houve um aumento no número de jogadores que relataram algum sintoma de depressão ou ansiedade nos primeiros meses da pandemia.
Entre as mulheres que participaram do estudo, 22% relataram sintomas “consistentes com o diagnóstico de depressão”, como falta de interesse, falta de apetite e falta de energia. Entre os homens, esse número foi de 13%. Entre dezembro de 2019 e janeiro de 2020, a mesma pesquisa havia apresentado índices de 11% e 6%, respectivamente.
Ainda que a fase mais aguda da pandemia tenha passado, Eduardo Cillo afirma que estudos da OMS (Organização Mundial da Saúde) indicam que as pessoas vão sentir os impactos psicológicos desse período por, pelo menos, dez anos. No caso dos atletas, o efeito poderá ser ainda pior.
“Atletas que vinham negligenciando a saúde mental anteriormente, provavelmente, estão lidando com eventos mais agudos a respeito de suas próprias mentalidades. E, nesse sentido, ou eles reconhecem suas fragilidades e a necessidade de cuidados ou vão, provavelmente, ter mais dificuldades de gerenciamento das próprias emoções.”
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