O desespero no setor visitante da arquibancada era palpável faltando nove minutos para acabar a partida. Mas no minuto seguinte, o cenário se transformou. Atuando fora de casa, o Paris Saint-Germain conseguiu um gol “chorado” em um chute fraco do atacante Amara Diané para garantir a suada vitória por 2 a 1 sobre o Sochaux. Os três pontos garantiram que a equipe não fosse rebaixada no Campeonato Francês de 2008.
“Nós jogamos a partida das nossas vidas naquele dia. A pressão era intensa, mas curiosamente eu não senti ansiedade antes do jogo. Eu lembro até hoje do apito final. Parecia que a gente tinha sido campeão. As pessoas estavam chorando”, relembra o zagueiro Mamadou Sakho à revista Four Four Two.
A história do PSG não pode ser resumida como um time de constantes lutas contra o rebaixamento nem uma equipe acostumada a conquistar muitos troféus. Fundado apenas em 1970, o clube preencheu um vácuo no futebol parisiense deixado por times tradicionais como o Racing Paris e o Red Star, que tiveram destaque no passado, mas caíram no ostracismo. Equipes mais vencedoras como Saint-Etienne, Olympique de Marselha, único do país a ser campeão europeu, e Monaco deixaram sua marca na história com títulos e equipes marcantes.
O cenário se transformou em 2011 quando o Paris Saint-Germain foi comprado pela Qatar Sports Investments (QSI), fundo de investimentos do emir do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani. A aquisição foi definida por especialistas como um exemplo de sportswashing, ou seja, o uso estratégico e político do esporte para melhorar sua reputação no mundo, escondendo ações negativas de governos.
Nos últimos 11 anos, a equipe parisiense pulou de dois para nove títulos do Campeonato Francês, além de garantir seis conquistas da Copa da França. Aos poucos, o PSG ficava mais forte, com cada vez mais estrelas, mas o título da Liga dos Campeões, considerado o grande objetivo do clube, escapava pelas mãos temporada após temporada.
INVESTIMENTO PESADO EM CONTRATAÇÕES
Com um orçamento turbinado por um Estado, o PSG virou da noite para o dia uma máquina, pelo menos, de movimentar dinheiro no mercado do futebol. Hoje, o clube está avaliado em US$ 2,5 bilhões segundo a revista Forbes, ocupando a nona posição no ranking. Com uma injeção de 1,3 bilhão de euros (ou R$ 7,3 bilhões, valores não corrigidos) em reforços desde 2011, o PSG assumiu o protagonismo no futebol francês enquanto busca entrar de vez no grupo dos principais times da Europa.
O investimento robusto, bem acima da grande maioria dos times, vem sendo motivo de críticas de todos os lados. A Uefa é acusada de aplicar uma fiscalização ineficiente e, por vezes, permissiva com a falta de transparência de vários clubes, incluindo o time francês. O Fair Play financeiro é um mecanismo criado pela entidade para evitar que os clubes gastem valores superiores aos que forem arrecadados em suas gestões e, consequentemente, consigam pagar suas contas em dia.
Em 2014, o PSG foi punido por descumprir as regras e recebeu multa de 60 milhões de euros, além de restrição de inscrição de jogadores por uma temporada na Liga dos Campeões. O clube também foi acusado de driblar o regulamento em outros anos.
Javier Tebas, presidente da LaLiga, que organiza o futebol espanhol, é uma das vozes que condenam o modelo do clube francês. “Critico o PSG porque ele não gera dinheiro para ter o elenco que têm. Isso distorce a concorrência na economia do futebol europeu. Não corresponde ao patrocínio real. Como o PSG nos explica que tem um elenco de quase 600 milhões de euros? Se vencer a Ligue 1 (Campeonato Francês), não ganhará mais de 45 milhões de euros. É impossível”, afirmou ao jornal L’Équipe.
Na entrevista coletiva de apresentação de Lionel Messi, o presidente do PSG, Nasser Al-Khelaifi, defendeu o clube das aquisições de burlar as regras do Fair Play financeiro. “Quanto ao aspecto financeiro, vou deixar claro: conhecemos as regras do Fair Play financeiro e vamos sempre seguir os regulamentos. Antes de qualquer coisa, consultamos nosso pessoal comercial, financeiro e jurídico. Temos capacidade para contratá-lo. Se assinamos com Leo, é porque podemos, caso contrário não o teríamos feito.”
ELIMINAÇÕES NA LIGA DOS CAMPEÕES
O investimento pesado em estrelas virou prática comum no clube. A contratação bombástica de Neymar em 2017 foi um aviso ao mundo de que o PSG estava disposto a brigar com as principais equipes da Europa. Também pudera, o clube francês desembolsou 222 milhões de euros (aproximadamente R$ 822 milhões à época) para contar com o brasileiro, que buscava o papel de protagonista e mirava a conquista da Bola de Ouro. A transferência é, até hoje, a mais cara da história do futebol mundial. Neymar estava no Barcelona.
O clube acertou também a contratação da então jovem sensação Kylian Mbappé, de apenas 18 anos, que se tornaria em pouco tempo um dos melhores jogadores do futebol mundial. Com a dupla, o PSG manteve a hegemonia nacional, com vários títulos, mas na Liga dos Campeões seguia com problemas.
As cobranças internas e externas se acumularam temporada após temporada. Em 2019, o presidente do clube mandou um recado ao elenco dizendo que não aceitaria mais o comportamento de popstars e cobrou mais comprometimento da equipe. “Os jogadores terão de assumir suas responsabilidades ainda mais do que antes. Deve ser completamente diferente”, afirmou o dirigente em entrevista à revista France Football.
Na edição 2019/2020 da Liga dos Campeões, o PSG teve seu melhor resultado ao chegar à decisão contra o Bayern de Munique, mas acabou superado pelos alemães. O time ainda não conseguiu dar o salto que tanto sonhou – e investiu. A falta do título da Liga dos Campeões fez com que o troca-troca na vaga de técnico fosse uma prática regular. Foram seis treinadores de 2011 para cá.
Cada eliminação na competição é tratada como um fracasso e um aumento da pressão, especialmente, das arquibancadas. O comportamento muitas vezes agressivo da torcida não é recente. Por muito tempo, antes da chegada dos atuais donos, os torcedores do time parisiense ganharam as manchetes por cantos ofensivos, faixas provocativas e brigas entre seus próprios torcedores ou contra times rivais. Foram vários os episódios que mostraram como o clima pode ficar tenso.
Em 2020, 148 pessoas foram presas em Paris, segundo as autoridades, por brigas nas ruas, saques em lojas e cenas de vandalismo, após a derrota da equipe na final europeia para o Bayern. “A selvageria de certos delinquentes da noite passada: 16 membros das forças policiais, feridos, 12 lojas atacadas, cerca de 15 carros vandalizados”, informou o ministro do Interior francês, Gerald Darmanin.
A impactante chegada de Lionel Messi para a atual temporada rotulou o PSG, novamente, como um dos grandes favoritos a todos os títulos. Mas o sentimento da arquibancada não era só de empolgação, apesar da contratação histórica do argentino. Em fevereiro, uma faixa de torcedores exposta em uma partida exigia a saída de dirigentes, incluindo o diretor esportivo Leonardo, com citação a Robespierre, personagem marcante da história do país por liderar um período de terror com muitas execuções. “Leonardo, Ribes, Pien, Rame, Allegre. Muitas cabeças inúteis! Robespierre, onde está você?!”.
Com o trio Neymar, Mbappé e Messi em campo, o PSG foi eliminado pelo Real Madrid nas oitavas de final da atual edição da Liga dos Campeões de forma dramática. A derrota gerou um novo protesto dos torcedores. Os muros do Estádio Parque dos Príncipes e do centro de treinamento do clube amanheceram com pichações ofensivas e cobrando novamente a imediata saída de Leonardo e Nasser Al-Khelaifi.
“Dez anos de mediocridade”, escreveram, revoltados. “Fiquem longe de nós, Paris nunca será o Catar”, “sejam dignos” e “vocês nos deixariam orgulhosos (saindo)”, deram tom aos protestos, sempre seguidos com muitos palavrões à dupla. Enquanto se recupera da eliminação, o PSG lidera o Campeonato Francês com 12 pontos de diferença para o vice Olympique de Marselha e volta suas atenções no planejamento para a próxima temporada, com o objetivo de, enfim, vencer a tão sonhada Liga dos Campeões. Mas muita coisa deve acontecer após a temporada.
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