SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Motivo de euforia entre os torcedores e de grande repercussão no mundo do futebol, a compra do Cruzeiro pelo ex-atacante Ronaldo Nazário, anunciada neste sábado (18), ainda depende de acertos burocráticos e demandará paciência até que seus principais efeitos práticos comecem a ser sentidos no clube mineiro.
Em meio a especulações, entrevistas do Fenômeno e de outros envolvidos no acerto já revelaram pistas sobre o que deve acontecer nos próximos meses.
Segundo anunciado pela XP Investimentos, principal mediadora do negócio, Ronaldo e o clube mineiro firmaram um protocolo de intenções para um aporte de R$ 400 milhões “ao longo dos próximos anos” na recém-criada Cruzeiro SAF. Esta é a primeira operação realizada no Brasil sob os termos da nova lei da Sociedade Anônima do Futebol.
Primeiramente, ainda será necessário oficializar a compra, correspondente a 90% das ações do “novo Cruzeiro”. De acordo com a XP, a operação está sujeita a algumas condições, especialmente à verificação de contratos e documentos. O próprio Ronaldo destacou essa etapa de validação, conhecida como “due diligence”, em entrevista concedida a seu canal de transmissões ao vivo pela internet.
Esse tipo de auditoria costuma demorar alguns meses. “Agora, depois desse anúncio, temos ainda um processo burocrático a seguir. Tem a toda a due diligence que vai ser feita no clube para a gente entender em qual situação real ele se encontra. E, a partir daí, vamos começar a planejar o nosso trabalho”, afirmou o ex-jogador.
Após a mudança de estatuto do Cruzeiro, aprovada na sexta-feira, o advogado do clube celeste, Bruno Volpini, havia declarado em entrevista à rádio mineira Itatiaia que a conclusão de compra como essa levaria de quatro a cinco meses. “É uma operação muito complexa. Ela demanda a discussão de cláusula por cláusula de contratos que às vezes ultrapassam cem páginas.”
Além disso, ainda segundo a rádio mineira, o fechamento do negócio depende também da aprovação de outros dois integrantes do conselho de administração da Cruzeiro SAF, e não apenas do presidente Sérgio Santos Rodrigues. Em entrevista ao canal ESPN no sábado, o dirigente disse já considerar Ronaldo como sócio majoritário da sociedade.
“A gente acenou realmente uma proposta vinculante. O negócio está consolidado. Quando a gente fala de burocracia é essa parte jurídica. É muito contrato para fazer, pela própria natureza da SAF. Mas a intenção já está feita, a proposta é vinculante, a gente já considera o Ronaldo como majoritário. A partir de semana que vem, começa o trabalho em conjunto”, assegurou Rodrigues.
O Fenômeno também sinalizou que o trabalho se inicia “imediatamente”. O astro desmarcou uma viagem de férias com a família para Dubai (Emirados Árabes) e prometeu estar presente em Belo Horizonte para as comemorações do aniversário de 101 de fundação do Cruzeiro, no dia 2 de janeiro.
Como o comunicado da XP já indicava, o aporte de R$ 400 milhões não será realizado todo de uma vez. Num primeiro momento, o investimento de Ronaldo, por meio de sua empresa de gestão esportiva Tara Sports, será de R$ 80 milhões. Para efeito de comparação, o clube reuniu receitas de R$ 69 milhões no primeiro semestre de 2021.
A previsão é que o montante inicial seja utilizado para sanar algumas dívidas emergenciais, tendo como principais objetivos o pagamento de salários atrasados desde outubro e o fim do “transfer ban”, sanção administrativa imposta pela Fifa que impede o clube de registrar novos atletas em razão do enorme passivo –a dívida do clube encontra-se próxima a R$ 1 bilhão. Até o momento, o Cruzeiro já se acertou com dez reforços para a próxima temporada.
Na esfera judicial, antes da criação da SAF, a diretoria do Cruzeiro já havia se comprometido a apresentar, até janeiro de 2022, um plano de pagamento das dívidas no Tribunal Regional do Trabalho e no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Até lá, estão suspensas as execuções em andamento contra o clube.
Na prática, isso quer dizer que o torcedor deve manter os pés no chão quanto a grandes contratações e investimentos no departamento de futebol. O grande objetivo da equipe celeste é montar um time competitivo para garantir o retorno à primeira divisão do Campeonato Brasileiro depois de dois fracassos seguidos na Série B.
“O Cruzeiro chegou numa situação, numa dívida alta, muito ruim. Entendo todo entusiasmo com a notícia, mas a verdade é que temos muito trabalho pela frente. Não vou botar dinheiro, queimar dinheiro. A caminhada é longa”, afirmou o Fenômeno. “O momento é terrível, mas eu vejo uma esperança no potencial que eu tenho para reverter essa situação e colocar o Cruzeiro onde ele merece estar”, acrescentou.
Segundo Rodrigues, enquanto acionista majoritário, Ronaldo também passa a estar ligado ao passivo global do Cruzeiro. “É bom lembrar também a responsabilidade que tem pela dívida. A conta não se faz só pelo investimento, mas pela assunção de toda a responsabilidade que existe. O montante é muito maior do que o valor investido, disse à Globo. “Apesar de a dívida ficar na associação, boa parte dela está atrelada ao futebol.”
De acordo com a lei da SAF, as dívidas seguem com o clube, mas a sociedade anônima fica obrigada a repassar no mínimo 20% de suas receitas correntes mensais e 50% dos lucros, na condição de acionista, para o pagamento de débitos da associação civil.
Segundo o acordo assinado, Ronaldo fica com a operação do futebol, mas o clube mantém o patrimônio e os 10% restantes das ações, que lhe garantem uma vaga no conselho administrativo da SAF e a preservação de sua identidade.
Nomes de confiança A seu favor, Ronaldo destaca a experiência acumulada nos últimos sete anos como investidor e dirigente, primeiro no Fort Lauderdale Strikers (Estados Unidos) e depois no Valladolid (Espanha).
O Fenômeno deu diversos sinais de que pretende trazer pessoas de sua confiança para o trabalho no Cruzeiro. No clube espanhol, por exemplo, a gestão do futebol encontra-se a cargo do ex-zagueiro Paulo André, com quem jogou no Corinthians.
“Vamos otimizar bem o grupo, contar com a expertise do Valladolid e da galera que está trabalhando comigo. Eu, na verdade, confio muito nas pessoas que escolho e que quero no projeto. Dou liberdade. O que eu faço é dar a direção do que quero no projeto. Mas sempre estou muito próximo. Isso vai acontecer aqui no Cruzeiro também”, declarou Ronaldo.
Sobre a dívida bilionária, Ronaldo também promete adotar práticas aprendidas no Velho Continente. “Tem que ser sustentável. Vou aproveitar a experiência, com os controles financeiros que existem na Europa. Temos esse know-how conhecido do Campeonato Espanhol, que já tem as regras bem estabelecidas e o fair play financeiro. Vamos montar um modelo de gestão europeu”, projetou.
Por enquanto, o retrospecto esportivo das equipes gerenciadas pelo Fenômeno não é seu maior trunfo. O Strikers, clube do qual Ronaldo era sócio minoritário, encerrou as atividades em 2017. Já o Valladolid caiu novamente para a segunda divisão do Campeonato Espanhol, depois de três temporadas na elite sob sua gestão.
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