O GP da Arábia Saudita, segunda etapa do Mundial da Fórmula 1 em 2022, não ficou marcado apenas pelo triunfo de Max Verstappen nas ruas de Jeddah. Ainda na sexta-feira, durante o primeiro treino livre do fim de semana, a tensão tomou conta do evento após um bombardeio atingir instalações da petrolífera Aramco a cerca de 10 quilômetros da pista.
Mesmo acontecendo longe do autódromo, a distância não impediu que a fumaça oriunda do bombardeio estivesse presente nas imagens da sessão. Pilotos chegaram a sinalizar a intenção de deixar o país, mas acabaram convencidos pela organização a seguir com a programação normalmente, sob a garantia de segurança total para a realização da prova.
Posteriormente, o ataque foi reivindicado pelo grupo Houthis, do Iêmen. A ação se deu pelo fato de a Arábia Saudita liderar um conflito contra grupos rebeldes iemenitas em defesa do governo local desde 2015. A petrolífera atacada é uma das principais apoiadoras da F-1, e patrocinadora da escuderia Aston Martin, dos pilotos Lance Stroll e Hulkenberg.
Na história da categoria, porém, esta não foi a primeira vez que fatores externos influenciaram a realização de corridas. Em outras oportunidades, as provas chegaram a ser canceladas ou tiveram seus rumos alterados por causa de protestos, invasões, problemas internos da categoria e até mesmo condições climáticas.
PROTESTO E INVASÃO
No GP da Alemanha de 2000, realizado em Hockenheim, Rubens Barrichello conquistou a primeira de suas 14 vitórias na categoria. Mas o triunfo do então ferrarista veio em circunstâncias bem particulares.
Se todos os fãs de automobilismo têm na retina a grande atuação do brasileiro, que venceu na chuva com pneus slicks – usados para tempo seco -, dando de ombros para os pedidos de Ross Brawn, à época chefe da Ferrari, que implorou para que ele mudasse os compostos, outro fato curioso acabou marcando a prova.
Na 25ª volta daquela corrida, um ex-funcionário da Mercedes que acompanhava o Grande Prêmio da Alemanha das arquibancadas, resolveu invadir a pista para protestar contra sua antiga empregadora. Por questões de segurança, a direção de prova acionou o safety-car enquanto retirava o invasor da pista. O carro de segurança permaneceu na pista até a 29ª volta. Com isso, Barrichello saltou para a terceira posição após as paradas dos outros pilotos, que aproveitaram a situação para realizar suas paradas. Com a volta do safety-car, a bandeira verde não ficou por muito tempo no autódromo.
Na volta seguinte, Pedro Paulo Diniz, da Sauber, e Jean Alesi, da Prost, bateram e mais uma vez o carro de segurança entrou em ação. Com a bandeira verde em pista após uma volta, a chuva resolveu aparecer. Barrichello não trocou os pneus, e teve de resistir às investidas de Mika Hakkinen, da McLaren, durante o restante da prova para conquistar a vitória, a primeira do Brasil desde o triunfo de Ayrton Senna no GP da Austrália de 1993.
PADRE EM CENA
Três anos mais tarde, no GP da Inglaterra de 2003, Rubens Barrichello conquistou a pole-position para a corrida e partia como o favorito para o triunfo. Porém, logo na largada, o brasileiro foi superado por Jarno Trulli, da Renault, e Kimi Räikkönen, da McLaren.
Na 12ª volta, um fato inesperado aconteceu: um homem com trajes irlandeses típicos invadiu a pista com cartazes de teor religioso, na altura da Reta do Hangar, onde os carros atingem velocidade máxima. Logo a segurança da pista tratou de retirar o invasor, o padre Cornelius Horan, que ano seguinte, segurou o maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima na Olimpíada de Atenas.
Com o safety-car acionado, a corrida virou de cabeça para baixo. Barrichello caiu para a oitava posição e teve de se recuperar na corrida para conquistar sua sexta vitória até ali.
GUERRA DOS PNEUS
Se hoje apenas a italiana Pirelli fornece os pneus para todas as equipes da Fórmula 1, há pouco tempo a situação era bem diferente. Em 2005, a japonesa Bridgestone e a francesa Michelin dividiam a função de serem fornecedoras da categoria. E no GP dos Estados Unidos daquele ano, realizado em Indianápolis para um público de 130 mil torcedores, a F-1 correu com apenas seis carros no grid por conta de problemas enfrentados pela empresa francesa.
Tudo começou um pouco antes, com o recapeamento do asfalto do circuito, que teve de ser adaptado para receber os bólidos da categoria. A Bridgestone, que atuava por intermédio da Firestone na Indy, soube antecipadamente da mudança e realizou alterações especiais em seus pneus para a corrida. Já a empresa francesa tomou conhecimento do fato e das implicações dele nos pneus apenas quando já estava em solo norte-americano.
Com problemas ao longo do fim de semana, a empresa francesa começou a discutir o problema com a organização. Mesmo a empresa francesa decidiu trazer os pneus utilizados na corrida anterior, na Espanha, para contornar a situação. Porém, como o regulamento da época obrigava que os pilotos largassem com os mesmos compostos utilizados na classificação, uma autorização especial foi solicitada e acabou não sendo atendida.
Com isso, uma série de contenções foram estudadas, como a criação de uma chicane na Curva 1 , mais afetada pelo recapeamento, para diminuir a velocidade dos carros (proposta vetada pela Ferrari). Até mesmo foi sugerido que a corrida acontecesse sem a distribuição de pontos e de dinheiro, a fim de salvar o evento. Porém a sugestão foi veementemente negada por Max Mosley, à época presidente da FIA, entidade máxima do automobilismo mundial.
Por fim, as equipes que utilizavam os pneus Michelin esperaram por 20 minutos para deixarem os boxes para a volta de apresentação. Como nenhuma decisão da FIA chegou, as equipes recolheram os carros e voltaram para os boxes. Desta forma, apenas os seis carros munidos de pneus Bridgestone alinharam no grid.
Dentro da pista, dobradinha da Ferrari com Michael Schumacher em primeiro e Rubens Barrichello em segundo. O pódio foi completado pelo português Tiago Monteiro, da Jordan. A celebração, contudo, não foi vista por muitos torcedores, que deixaram as arquibancadas ao longo da prova. A revolta foi tamanha que o safety-car foi acionado por conta de latas arremessadas na pista em forma de protesto.
PRIMAVERA ÁRABE
Em 2011, a Fórmula 1 planejava iniciar sua temporada com o GP do Bahrein, porém a corrida logo foi adiada por conta do país viver o auge da Primavera Árabe, uma onda de protestos e manifestações que eclodiram no Oriente Médio e no Norte da África. Devido à instabilidade e a falta de garantia de segurança, posteriormente, em junho, Bernie Ecclestone, chefe da categoria na época, se reuniu com as equipes e decidiu cancelar a corrida.
No ano seguinte, o GP do Bahrein voltou a acontecer, como a quarta prova do calendário. Porém, diversos protestos contra a realização da prova aconteceram. Na quinta-feira, antes da realização da corrida, funcionários da Force India tiveram o veículo atacado quando voltavam ao hotel onde estavam hospedados. No dia seguinte, a equipe participou apenas do TL1 e voltou para o hotel antes do anoitecer a fim de evitar novos problemas. No sábado, a equipe foi boicotada pela FOM, empresa geradora das transmissões, que durante as sessões do dia não mostrou os carros da equipe na transmissão oficial.
COVID-19
Às vésperas do início da temporada 2020 da Fórmula 1, a pandemia de covid-19 começou a se alastrar pelo mundo. Porém, ao desembarcar em Melbourne a categoria parecia viver imune ao contexto em que o mundo se encontrava.
Apesar das crescentes no número de casos, a categoria se mantinha firme em realizar o GP da Austrália,inclusive, com a presença de público. Porém, tudo mudou na quinta-feira anterior ao início das atividades, no dia 12 de março. Um funcionário da McLaren testou positivo para a doença e mais doze empregados da equipe de Woking acabaram isolados. Com isso, a categoria teve de agir.
Duas horas antes da primeira sessão de treinos livres, veio a confirmação: o GP da Austrália foi cancelado por conta da pandemia de covid-19. Os torcedores que chegavam ao autódromo deram de cara com os portões fechados. Apesar da insatisfação, posteriormente, os valores pagos nas entradas foram ressarcidos.
Com o agravamento da pandemia, a Fórmula 1 continuou sofrendo com diversos adiamentos e cancelamentos. Além do GP da Austrália, as corridas no Azerbaijão, Brasil, Canadá, Cidade do México, Estados Unidos, Mônaco, França, Azerbaijão, Holanda e Singapura foram canceladas.
Para driblar a situação, foram incluídos os GPs da Estíria, no Red Bull Ring, e o GP do 70º aniversário da categoria, em Silverstone. Além disso, os Grandes Prêmios da Toscana, em Mugello, Eifel, em Nürburgring, Portugal, no Autódromo Internacional do Algarve e Emília-Romanha, em Ímola, foram acrescentados ao calendário, que contou com 17 corridas.
A NÃO-CORRIDA NA BÉLGICA
Sempre cercado de uma aura especial por ser realizado no icônico circuito de Spa-Francorchamps, o GP da Bélgica 2021 ganhou um ingrediente especial. No sábado, sob forte chuva, George Russell, então na Williams, colocou o carro da equipe britânica na segunda colocação no grid de largada, atrás somente de Max Verstappen, da Red Bull.
No domingo, enfim a corrida chegou. Porém, o clima não era dos melhores: uma fortíssima chuva castigava a região. Com isso, a bandeira verde foi adiada em 30 minutos. Depois de três voltas de alinhamento de grid, a primeira largada foi dada sob regime de safety-car. Mas logo os pilotos reclamaram da falta de visibilidade na pista e a bandeira vermelha foi declarada.
Prevista para durar por 20 minutos, a bandeira vermelha permaneceu por três horas, mas a preocupação com o tempo-limite de quatro horas para a conclusão do evento começou a preocupar a organização.
Com a diminuição da chuva, uma nova contagem regressiva de uma hora foi feita e uma tentativa de relargada sob o safety-car aconteceu. Mas as condições pioraram e com 30 minutos restantes na regressiva, a corrida, enfim, foi cancelada.
A F-1 levou em conta que o líder Verstappen realizou três voltas antes da bandeira vermelha, apesar de ter considerado oficialmente apenas uma volta na corrida, tornando a prova a mais curta de toda a história. Com isso, metade dos pontos foram concedidos para os dez primeiros colocados. Verstappen venceu, seguido de George Russell, em seu primeiro pódio na categoria, e Lewis Hamilton.
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