BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Preocupado com um possível esvaziamento da Cúpula das Américas, a ser realizada neste ano nos EUA, o presidente Joe Biden escalou um emissário para tentar convencer Jair Bolsonaro (PL) a participar da reunião de líderes do continente prevista para o início de junho, em Los Angeles.
O escolhido foi o ex-senador Christopher Dodd, que tem reunião marcada com o líder brasileiro na sexta (20), segundo assessores do Planalto. A embaixada americana em Brasília disse que o democrata, conselheiro especial para a cúpula, aguarda o resultado de um teste de Covid para confirmar a viagem.
“Se não puder viajar, segundo as diretrizes do CDC [Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, na sigla em inglês], ele deverá se reunir virtualmente” com as autoridades brasileiras, disse a embaixada.
De acordo com pessoas envolvidas nos preparativos do encontro, que falaram com a reportagem sob condição de anonimato, o objetivo da viagem é, mais do que fazer o convite em nome de Biden, mostrar que o governo americano vê a participação do brasileiro como algo importante.
A Cúpula das Américas, que chega neste ano à sua nona edição, foi pensada por Washington para simbolizar o retorno da liderança dos Estados Unidos em assuntos da América Latina, após a Presidência de Donald Trump, durante a qual temas da região ficaram em segundo plano -na última cúpula, em 2018, o republicano não foi a Lima, no Peru, e se tornou o primeiro líder americano a faltar ao encontro.
A reunião, entretanto, corre o risco de terminar esvaziada devido às sinalizações de Bolsonaro e do presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, de que não pretendem comparecer. Por isso, antes de vir ao Brasil, de acordo com o roteiro previsto, Dodd também deve viajar ao México, com o mesmo objetivo de convencer um líder de peso a reverter a decisão de não ir a Los Angeles.
Para os americanos, realizar o encontro nos Estados Unidos sem os governantes das duas maiores economias da região seria um fiasco diplomático e reforçaria a imagem de que Washington já não tem o protagonismo de outrora. Obrador disse na semana passada que só irá à cúpula caso os EUA convidem os governos de Cuba, Nicarágua e Venezuela, ditaduras consideradas párias por Washington.
Embora um convite aos regimes autoritários esteja fora de cogitação, interlocutores avaliam que a flexibilização de sanções e restrições contra Cuba e Venezuela, anunciadas na segunda (16) e nesta terça, também foram sinalizações de Biden para tentar dobrar a resistência do líder mexicano.
Na segunda, os EUA anunciaram a retirada de medidas impostas durante o governo Trump a remessas de dinheiro e viagens a Cuba. Na prática, as novas determinações facilitam, entre outros pontos, o envio de dólares de cubanos que moram nos EUA para familiares na ilha. Já o alívio das sanções contra a ditadura de Nicolás Maduro deve permitir que a estatal petrolífera PDVSA realize negócios antes proibidos.
Um alto funcionário do governo americano ouvido pela agência de notícias AFP disse esperar que uma das principais consequências do anúncio seja a retomada das negociações entre chavistas e membros da oposição venezuelana no México, sob mediação da Noruega.
A situação de Bolsonaro é vista como menos problemática que a de Obrador, segundo autoridades do governo Biden. Primeiro, porque o brasileiro ainda não sinalizou publicamente que não quer ir a Los Angeles e tampouco colocou condições consideradas irrealistas -como fez o presidente mexicano.
Se não se manifestou em público que não quer ir à reunião, Bolsonaro expressou a vontade a aliados. Segundo interlocutores, ele está focado na pré-campanha pela reeleição e prefere se concentrar em agendas domésticas. Um encontro com Biden, aliás, é visto por membros da pré-campanha ao Planalto como algo de pouco valor eleitoral, já que o brasileiro é aliado de Trump, adversário do democrata.
No Itamaraty, diplomatas veem no risco de esvaziamento da cúpula uma oportunidade que não deveria ser desperdiçada. Após meses de atritos entre os governos de EUA e Brasil, pela primeira vez o americano se encontra numa situação de dificuldade em que precisa da colaboração de Bolsonaro.
De acordo com interlocutores, o presidente brasileiro está numa posição em que pode exigir gestos dos americanos para comparecer ao encontro. Um dos pontos que ainda está em aberto, afirmam diplomatas, é a confirmação de que Biden receberia Bolsonaro para uma reunião bilateral à margem da cúpula.
A expectativa de interlocutores no governo brasileiro é a de que o emissário Dodd, junto ao convite, confirme que o americano pretende abrir espaço em sua agenda para Bolsonaro. Caso seja realizado, o encontro reunirá líderes com histórico de provocações e discordância sobre os mais distintos temas.
As tensões começaram ainda na campanha americana, em 2020, quando o brasileiro afirmou que torcia pela reeleição de Trump. Mesmo depois de a vitória de Biden ter sido confirmada, Bolsonaro repetiu teorias trumpistas, sem base na realidade, de que o resultado teria sido fraudado -o governo americano nunca encontrou qualquer indício disso- e foi um dos últimos líderes a cumprimentar o democrata.
O foco na campanha eleitoral não é a única razão levantada por assessores de Bolsonaro para justificar o desinteresse dele em se deslocar para os EUA. No início de maio, a agência de notícias Reuters divulgou que William Burns, diretor da CIA, a agência de inteligência dos EUA, teria dito a autoridades de alto escalão do governo brasileiro que Bolsonaro deveria parar de lançar dúvidas sobre o sistema de votação.
O presidente e o ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) negaram que uma mensagem do tipo tenha sido transmitida durante a visita de Burns a Brasília, em julho do ano passado.
Bolsonaro comanda uma campanha de desinformação sobre as urnas eletrônicas e vem questionando em diferentes ocasiões, sem apresentar provas, a segurança do sistema. As ações são consideradas uma tentativa de tumultuar o pleito, abrindo caminho para que ele questione o resultado caso saia derrotado.
Pessoas que acompanham o tema dizem que a divulgação de que os americanos estariam cobrando Bolsonaro a não interferir na eleição foi mal recebida pelo governo. Assessores argumentam que, no caso de uma reunião bilateral, seria provável que Biden renovasse uma cobrança do tipo -o que, mesmo em termos genéricos, seria mais combustível para os opositores do presidente. Do lado americano, interlocutores dizem que o governo Biden não tem intenção de criar constrangimentos para o brasileiro.
Ao falar sobre a cúpula, a embaixada dos EUA no Brasil disse que o governo americano está “ansioso pela participação brasileira” e que o país é “um parceiro regional crucial, com compromissos compartilhados com a democracia, os direitos humanos, a prosperidade econômica, o Estado de Direito e a segurança”.
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