THIAGO AMÂNCIO
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Os Estados Unidos inventaram os semicondutores, chips vitais na indústria contemporânea, mas deixaram, “ao longo dos anos, a fabricação ir embora para o exterior”, disse o presidente do país, Joe Biden, na última terça-feira (2).
“Pela nossa economia, empregos, custos e nossa segurança nacional, temos que fabricar esses semicondutores nos Estados Unidos outra vez”, afirmou em discurso comemorando a aprovação de lei de incentivo ao setor.
Uma semana antes, em 28 de julho, ao pressionar pela aprovação no Congresso de um pacote contra a inflação galopante do país, Biden afirmou que a proposta cria empregos “para aqueles que construírem projetos [com energia limpa] aqui nos Estados Unidos”. Nesta quinta (2), voltou a elogiar a abertura de postos dentro das fronteiras americanas.
O peso que Biden tem dedicado à criação de empregos -sobretudo na indústria manufatureira dentro das fronteiras americanas– tem chamado a atenção de observadores e analistas. Não só em discursos mas também nas propostas apresentadas, a “Bidenomics”, apelido dado à atual política econômica dos EUA, tem assumido em certos aspectos o tom do que seu antecessor Donald Trump chamava de “America first”, ou “os Estados Unidos primeiro”.
Já no discurso de posse do republicano em 2017, por exemplo, Trump afirmou: “Devemos proteger as nossas fronteiras da devastação de outros países fabricando nossos produtos, roubando nossas empresas e destruindo nossos empregos”.
É claro que há um nível de patriotismo nas políticas de todo presidente -sobretudo dos Estados Unidos. Para Edward Alden, pesquisador do Council on Foreign Affairs e professor da Universidade Western Washington, porém, Biden se distancia tanto quanto Trump de antecessores recentes ao insistir tanto na revitalização da indústria manufatureira.
“Ambos acreditam que os Estados Unidos deixaram muito de sua indústria sair do país, especialmente para a China. Isso é algo com o que os outros presidentes simplesmente não se preocupavam, acreditando que os empregos seriam realocados em outros setores da economia e que o comércio global supriria a demanda”, afirma.
Além disso, tanto Trump quanto Biden têm como foco a segurança nacional e a visão de que há certas indústrias, como a de semicondutores, que são críticas e que devem estar dentro das fronteiras americanas.
É essa a vitória mais recente da política de “America First” da administração atual, com aprovação no Congresso na última semana da lei de incentivo aos semicondutores. A legislação prevê o investimento direto de US$ 52 bilhões na produção de chips em solo americano, além da concessão de crédito em impostos.
A indústria de semicondutores -utilizados em uma variada gama de produtos, de veículos a smartphones– ganhou ainda mais importância desde que a escassez do item a partir de 2020, com a pandemia de Covid-19, fez dispararem os preços de uma série de produtos aos consumidores finais, mais notavelmente de automóveis.
Os discursos do democrata chamam atenção principalmente porque criação de empregos não tem sido exatamente um problema nos Estados Unidos, que têm taxa de desemprego em 3,5% segundo dados divulgados nesta sexta-feira (5) –a última vez que o país viu um índice de desempregados menor do que esse foi em 1968.
Mas há outros fatores no cálculo político.
O mais imediato é que Biden, com popularidade em baixa, enfrentará em novembro eleições de meio de mandato que devem alterar a correlação de forças no Congresso. A propaganda constante da abertura de novas vagas, sobretudo focadas em estados fortemente atingidos pela desindustrialização das últimas décadas, como no chamado cinturão da ferrugem, tende a ajudar os candidatos apoiados pelo democrata.
O segundo fator é a situação econômica peculiar do país. A contração do PIB dos EUA após dois trimestres consecutivos poderia ser suficiente para decretar a recessão da economia americana, o que ainda não foi feito principalmente pelo aquecimento do mercado de trabalho, entre outros fatores.
Além do foco na criação de empregos na lei de incentivo aos chips e no pacote de redução da inflação, uma série de outras medidas desde o início do governo Biden tem confirmado que o “America first” ainda permanece sólido na Casa Branca.
Até hoje o governo americano não retirou as barreiras tarifárias impostas pelo ex-presidente Trump contra a importação de aço, por exemplo.
Sob o republicano, os EUA criaram uma sobretaxa de 25% ao metal importado. O Brasil, assim como alguns outros países, obteve uma cota de exportação de aço livre desta cobrança, mas o Itamaraty pressiona desde então para que esse limite seja ampliado, extinto ou que o país pague uma alíquota menor.
No último dia 22, os EUA suspenderam as tarifas sobre um tipo específico, o aço laminado prensado a frio, mas permanecem as taxas sobre o restante da exportação do metal.
Com a alta do preço do petróleo neste ano, o governo também anunciou a abertura de dez campos no Golfo do México e um no Alasca para reduzir a dependência do combustível estrangeiro.
Além disso, o governo Biden chegou a vetar a exportação de vacinas contra a Covid-19 no começo da produção do imunizante, mesmo que o país já tivesse doses suficientes para toda a sua população.
O que diferencia principalmente o “America first” de Biden do de Trump, para Edward Alden, é a maneira como os dois lidavam com aliados.
“Trump só falava em trazer a indústria de volta aos EUA. Ele estava bravo com a China, a Europa, o Japão e até com o o Canadá e o México, encarava todos como competidores. Já Biden tem uma visão um pouco mais inclusiva, com abertura para os países aliados”, diz.
Mesmo assim, o governo atual não é um bloco coeso no tema e há debate interno -até agora, porém, a ala que defende concessões a aliados tem vencido.
Exemplo concreto ocorreu nos debates do pacote de redução de inflação. Versão anterior do texto determinava redução de impostos apenas para veículos que fossem inteiramente produzidos nos EUA do começo ao fim. Criticado pela possibilidade de a medida violar o USMCA (nova versão do Nafta que estabelece livre comércio entre EUA, México e Canadá), a versão mais atual do pacote já fala em veículos produzidos na América do Norte.
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