SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Guerra da Ucrânia completa dois meses neste domingo (24) sem uma perspectiva de fim e com ameaças renovadas nos campos militar, nuclear e geopolítico.
Nos últimos dias, a Rússia presidida por Vladimir Putin intensificou sua ofensiva no Donbass, região no leste ucraniano dominada em parte por separatistas pró-Moscou, e em seu principal alvo no sul do país até agora, Mariupol, voltando a atacar o último ponto de resistência na cidade portuária estratégica para o Kremlin.
Os movimentos se alinham com os objetivos que a Rússia admitiu ter para sua “operação militar especial”, eufemismo usado por Moscou para se referir à guerra: conquistar todo o Donbass, conectá-lo com a península já anexada da Crimeia e capturar inteiramente o sul da Ucrânia, até a fronteira com Moldova.
A declaração sobre essas metas foi dada na sexta-feira (22) pelo general Rustam Minnekaiev, vice-comandante do Distrito Militar Central, a agências estatais. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, recusou-se a comentar o tema, e a Ucrânia reagiu, afirmando que a afirmação desmente as alegações de que não há ambições territoriais em jogo.
O presidente Volodimir Zelenski repetiu sua tese de que Putin pretende invadir outros países: “Nós somos os primeiros da fila. E quem virá a seguir?”, disse, em mais um de seus tradicionais discursos noturnos, na sexta-feira.
Se confirmada pelo Kremlin, a nova estratégia da ofensiva russa também poderia, na prática, extrapolar o território da Ucrânia ao chegar à Transdnístria, enclave separatista em Moldova cuja maior parte da população é formada por russos étnicos.
A chancelaria do pequeno país convocou o embaixador de Moscou para expressar preocupação com as falas do general. “A declaração é infundada. Moldova é um Estado neutro, e esse princípio deve ser respeitado por todos os atores internacionais, inclusive a Federação Russa”, disse o órgão em comunicado. Moldova pleiteia, assim como Kiev, a adesão na União Europeia.
ATAQUE A USINA DE MARIUPOL
Neste sábado (23), a Rússia retomou o ataque ao último bastião da resistência ucraniana em Mariupol, um complexo siderúrgico onde se escondem milhares de combatentes e civis. Dois dias antes, Putin havia declarado vitória na captura da cidade e disse que suas tropas não precisariam tomar a usina de Azovstal.
Mas, segundo o assessor da Presidência da Ucrânia Oleksi Arestovitch, as forças de Moscou voltaram a lançar bombardeios e a tentar invadir o complexo siderúrgico para “estrangular a resistência final dos defensores de Mariupol”.
Arestovitch disse que as tropas ucranianas ainda estão resistindo, “apesar da situação muito difícil”, e tentando contra-atacar. Putin e outras autoridades russas, por sua vez, têm dito que aqueles que se renderem pacificamente serão poupados por Moscou.
Mais de 1.000 civis estão escondidos na usina, segundo autoridades ucranianas. A Rússia, por sua vez, diz que Azovstal abriga pelo menos 2.000 militares inimigos.
Em meio a esse cenário, a Ucrânia afirmou que faria uma nova tentativa para a retirada de civis, enquanto os pedidos de trégua por ocasião da Páscoa ortodoxa não parecem ter dado resultado.
Sitiada e bombardeada por semanas, Mariupol, onde viviam 400 mil pessoas antes da guerra, virou uma cidade em ruínas. A Maxar Technologies, uma empresa norte-americana de satélite, divulgou nos últimos dias imagens aéreas de valas comuns recém-cavadas nos arredores do município, em cidades como Manhuch e Vinohradne.
Kiev diz que dezenas de milhares de civis morreram e que ainda há 100 mil moradores lá. As Nações Unidas e a Cruz Vermelha afirmam que o número de civis está na casa dos milhares, mas sem uma estimativa específica. Zelenski chegou a falar em mais de 200 mil.
Outro ponto-chave no sul do país, a cidade de Odessa voltou a ser bombardeada após vários dias sem ser alvo de um grande ataque. Dois mísseis atingiram uma instalação militar e dois edifícios residenciais, afirmaram as Forças Armadas ucranianas.
O governo afirmou que ao menos cinco pessoas morreram em decorrência do ataque e 18 ficaram feridas. “É provável que o balanço seja maior”, disse o chefe do gabinete da Presidência, Andri Iermak. Segundo ele, entre os mortos há um bebê de três meses.
“O único objetivo dos ataques com mísseis russos em Odessa é o terror”, escreveu o ministro das Relações Exteriores ucraniano, Dmitro Kuleba, no Twitter. A Rússia segue negando ter civis como alvo.
Segundo a inteligência militar do Reino Unido, as forças russas não avançaram muito de sexta para sábado, mas informações divulgadas pelos dois lados no conflito indicam um aumento dos ataques sobre a região do Donbass.
A Rússia disse que derrubou um caça e destruiu três helicópteros inimigos em um aeródromo de Kharkiv, cidade fortemente bombardeada há semanas a noroeste da região.
O prefeito de Kharkiv afirmou que as forças russas realizaram mais de 50 ataques com artilharia ou foguetes no último dia, matando duas pessoas e ferindo 19, e que intensos combates continuam em Izium, nos arredores.
Sergi Gaidai, governador de Lugansk, afirmou que a ofensiva russa se intensificou em toda a província e que as forças ucranianas estavam recuando em alguns pontos para preservar suas unidades.
MÍSSIL INTERCONTINENTAL
Enquanto isso, Putin voltou a sacar a carta nuclear após ter ameaçado o Ocidente, no início da invasão, com “consequências nunca vistas na história”. Na quarta-feira (20), Moscou anunciou o primeiro teste completo do novo míssil intercontinental para emprego de ogivas nucleares do país, o RS-28 Sarmat, considerado o mais poderoso armamento do tipo no mundo.
Neste sábado, o Kremlin afirmou que a superarma será posicionada na Sibéria até o outono –a estação vai de setembro a dezembro no Hemisfério Norte. A meta, declarada por Dmitri Rogozin, chefe da agência espacial Roscosmos, é ambiciosa, já que especialistas ocidentais dizem que mais testes serão necessários antes que o míssil possa ser implantado de fato, pronto para uso.
Conhecido na Otan, a aliança militar ocidental, como Satã-2, o Sarmat é capaz, segundo analistas, de levar mais de dez ogivas nucleares a alvos a milhares de quilômetros de distância, como os Estados Unidos e países da Europa.
Rogozin disse em entrevista à TV estatal russa que os mísseis seriam implantados em uma unidade na região de Krasnoiarsk, na Sibéria, cerca de 3.000 km a leste de Moscou, no mesmo ponto onde ficavam mísseis da era soviética, algo que economizaria “recursos e tempo colossais”.
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