SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A dois meses da eleição na França, o atual presidente, Emmanuel Macron, toma seu tempo para oficializar a candidatura, enquanto as pesquisas mostram que questões como a Covid e a economia preocupam os franceses.
Para Frédéric Dabi, diretor-geral de Opinião do Ifop (Instituto Francês de Opinião Pública), um dos principais institutos de pesquisa do país, é prerrogativa do líder que busca a reeleição ditar o ritmo de sua campanha, mas isso pode acabar complicando Macron. “Ele vai ter que entrar no jogo num contexto em que pode estar fragilizado, com decepções por causa da pandemia e principalmente do poder de compra”, analisa à reportagem.
O sociólogo não vê como percalço, porém, a fala recente sobre querer “irritar os não vacinados” –em entrevista, Macron usou o verbo “emmerder”, registro coloquial que pode ser considerado um palavrão. Segundo Dabi, essa parcela da população é minoritária e está no campo dos ultradireitistas Marine Le Pen e Eric Zemmour.
“As consequências serão maiores se a Covid seguir e se os franceses sentirem que os problemas reais não estão sendo abordados na campanha.” Outro risco, nesse cenário, é o de abstenção recorde.
Pergunta – Como o sr. avalia a estratégia eleitoral de Macron? Ainda não ter se lançado oficialmente candidato faz parte desse planejamento?
Frédéric Dabi – É uma estratégia normal para um presidente que se candidata. Ele é dono dos relógios, pode esperar. Enquanto a Covid não acabar completamente e houver candidatos que disputem entre si, ele está tranquilo.
A campanha vai ser curta, a eleição será em 10 de abril –em outros anos foi por volta do dia 25, então há 15 dias a menos. Sem dúvida ele vai ter que entrar no jogo num contexto em que pode estar fragilizado, com decepções por causa da Covid e principalmente do poder de compra.
Mesmo sem uma candidatura oficial, seu partido lançou um site no fim de janeiro sem alarde, com o discurso de não fazer campanha contra uma parte dos franceses. O que se pode depreender dessa mensagem?
FD – É uma mensagem clássica, de reunião em torno do presidente. Foi feito por François Mitterand [1981-1995]. Mas não se pode esquecer que Macron não tem características de um unificador; é alguém que divide, com a proposta de “irritar os não vacinados”, que polariza a opinião.
Então uma campanha de reunião não teria coerência com a imagem que Macron emite –mais associada às competências de autoridade, capacidade de mudar as coisas, e menos à proximidade com as preocupações dos franceses.
Essa postura pode mudar se ele se sentir ameaçado?
FD – Macron é um presidente que se adaptou muito. Vai levar em conta o contexto sanitário, o europeu, os ataques. Não estamos em uma campanha anti-Macron como era em 2012 com [Nicolas] Sarkozy. Na minha opinião ele vai usar as duas alavancas que fizeram sua campanha, a distinção (ninguém faria melhor que ele) e a transformação (apesar de tudo, ele mudou as coisas).
Já contra os antivacinas ele adotou um tom duro. Não é um risco?
FD – Pode ser, mas ele mobilizou o próprio campo. Os franceses em sua maioria estão vacinados, tomaram a dose de reforço. É verdade que talvez ele tenha dito algo que não convém a um presidente, é um risco para o segundo turno se houver uma lógica de eliminação de Macron –mas não para o primeiro.
Ele talvez tenha reunido sua base, falado para uma maioria e onde está seu eleitorado. Entre não vacinados há muitos abstencionistas, eleitores de Zemmour e Le Pen, e ainda assim são minoritários. As consequências serão maiores se a Covid seguir, se a campanha for truncada, se os franceses sentirem que os problemas reais não estão sendo abordados. Nesse caso, o perigo seria uma abstenção maciça em protesto, o que foi visto nas eleições regionais [de 2021].
As questões importantes incluem, por exemplo, o aumento de salário, pelo qual os franceses protestam. Como os candidatos têm reagido a isso?
FD – Há uma corrida para prometer coisas como pagamentos, salário mínimo, ajuda aos jovens. Há também o poder de compra, que, caso se torne tão estruturante como em 2017, pode ter consequências importantes. Pode socializar a campanha e colocar em dificuldade o atual presidente, porque se os franceses estão descontentes com isso vão se voltar contra quem está saindo.
Em 2017, era “tranquilo” para os outros candidatos, porque o presidente não disputou [François Hollande não buscou a reeleição]. Agora há, e ele pode ficar fragilizado.
Como vê o fato de os quatro mais bem colocados nas pesquisas serem do campo da direita?
FD – Temos uma esquerda evaporada, sem um candidato forte. Jean-Luc Mélenchon está com 9% a 10%, e o total das intenções de voto [em nomes da esquerda] é inferior a 25%, o que nunca foi visto na Quinta República. Há, no entanto, uma exceção. Não podemos qualificar Macron de esquerda, mas ele tem ainda assim um apoio de parte não negligenciável desses eleitores.
Mas é verdade que um defeito grande dessa campanha é essa “primária de ultradireita” entre Marine Le Pen e Eric Zemmour, que dá a impressão de uma campanha com tonalidade muito à direita.
Qual o impacto da candidatura de Zemmour?
“Há um impacto sociodemográfico, porque ele é um candidato que se baseia em duas fontes eleitorais. Nas nossas enquetes, ele chega a captar de 20% a 25% dos eleitores de François Fillon e de Le Pen em 2017.
Ele transforma a posição e o status de Le Pen, mesmo que ela esteja em posição de chegar ao segundo turno –em um contexto em que, paradoxalmente, a presença de Zemmour pode ter feito bem à sua imagem, já que foi levada para o centro. Ela passou a camisa do extremismo a Zemmour.
Como se dá a inserção de Valérie Pécresse na disputa?
FD – Não diria que ela é favorita para o lugar de Le Pen. Ela tem uma estrutura de direita vintage, mas luta para ampliar essa base. Ela precisa emplacar uma marca, que os franceses a identifiquem como a candidata anti-Macron, uma mulher que poderia chegar ao [Palácio do] Eliseu.
No ano passado, Macron buscou uma comunicação com os jovens, dando entrevistas a youtubers, enquanto os apoiadores de Zemmour têm muita presença nas redes sociais. Como os candidatos trabalham nesse cenário?
FD – A juventude é uma questão importante. É uma clientela eleitoral que, mesmo que conte pouco, pode ter uma lógica de ser líder de opinião. Com o fator da Covid, com a frase de Macron de que é duro ter 20 anos (dita em outubro de 2020), a juventude é central nas propostas.
Numa eleição presidencial, é uma passagem obrigatória, mesmo a quem não tenha qualquer chance com os jovens. O que vai ser interessante de ver é se eles vão votar. O ciclo abstencionista incita uma prudência, assim como o desafio dessa juventude às ações políticas, principalmente na questão do clima.
Por que Zemmour tem aumentado o tom extremista?” Nas pesquisas, ele ocupou o vácuo criado depois de propostas ligadas a crianças com deficiências [defendeu que elas não deveriam frequentar escolas regulares]. Está em uma lógica de distinção radical em suas propostas, principalmente sobre a legítima defesa [implementar uma chamada “defesa escusável” para a população combater criminosos], como [Jair] Bolsonaro.
Ou seja, há uma verdadeira radicalização para tentar conquistar o voto da direita e da ultradireita com um duplo discurso, de um lado dizendo que Le Pen não tem força para derrotar Macron, como em 2017, e de outro a ideia de que Pécresse não irá cumprir suas promessas, como Sarkozy não cumpriu em 2007.
A dois meses da eleição, o cenário segue indefinido. Como isso impacta as estratégias?
FD – A campanha não terminou, ela mal começou. A Covid congela as coisas, impede talvez a campanha de acontecer normalmente. E o risco de uma abstenção recorde é possível, talvez provável.
O que pode significar?
FD – Que a França está em um ciclo abstencionista nunca visto antes. Se chegar a 30%, haverá a ideia de que o primeiro partido da França não será o do candidato em primeiro lugar, mas o dos franceses que não votam.
RAIO-X
Frédéric Dabi, 52
Diretor-geral de Opinião no Ifop (Instituto Francês de Opinião Pública), um dos principais do país, é especialista em sociologia política e comunicação política pela Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne. É autor do livro “La Fracture” (a fratura), sobre a relação da juventude com a política.
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