(FOLHAPRESS) – A presidente da Associação Brasileira de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson, 57, foi barrada no aeroporto da Cidade do México, onde iria participar do Fórum Social Mundial como palestrante, e deportada para o Brasil. O caso ocorreu neste domingo (1º).
De acordo com a associação, ela tinha os documentos necessários para entrar no país e a decisão foi motivada por transfobia.
No próprio domingo, uma ativista mexicana protocolou um pedido de medida cautelar na Secretaria de Direitos Humanos do país para que a deportação fosse revista, mas, segundo a Antra, não houve tempo para obter uma resposta, já que Simpson foi enviada de volta ao Brasil menos de 10 horas após a chegada.
A associação afirma que ela ficou incomunicável durante esse tempo, porque seus dois celulares foram retidos, e que não teve direito a defesa.
A ativista fazia parte da delegação da Abong (Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais) no fórum, composta por 20 pessoas. Ela é a única travesti do grupo e foi a única barrada no aeroporto -os demais haviam chegado ao México no dia anterior.
A reportagem pediu um posicionamento sobre o caso à embaixada do México e ao Itamaraty, que também foi acionado pela Antra, mas não obteve respostas até a publicação deste texto.
De volta ao Brasil nesta segunda-feira (2), Simpson disse que não sofreu violência na abordagem pelos guardas mexicanos, mas que foi tratada de forma diferente dos demais viajantes. Para ela, ficou claro que a motivação para sua deportação foi transfóbica.
“Toda travesti sabe quando está sendo discriminada por causa da sua condição. Desde que entrei na sala [para pessoas barradas na entrada] eu sabia que seria deportada por ser travesti. E não deu outra”, afirma.
Ela conta que estava com passaporte válido, visto eletrônico, cartão migratório e as reservas das passagens de ida e volta, mas os agentes colocaram dificuldades, pedindo que ela mostrasse a passagem de volta impressa, por exemplo. “Eu expliquei que voltaria dentro de seis dias e que só poderia fazer o check-in 48 horas antes, por isso não tinha o bilhete impresso. Mostrei o print com as reservas de todos os trechos, mas minhas explicações não tiveram êxito”, diz.
Ativista da causa há mais de 20 anos, Simpson já fez várias outras viagens internacionais, inclusive para o México, e nunca havia sido barrada.
Segundo Bruna Benevides, secretária de articulação política da Antra, a discriminação de pessoas trans em aeroportos é algo corriqueiro, especialmente quando possuem documentos com o nome de batismo -caso de Simpson.
“Eu mesma era selecionada para a ‘revista aleatória’ 100% das vezes em que viajava. Já apontaram um agente masculino para me revistar, eu me recusei. Depois que retifiquei meu nome nos documentos, tudo mudou”, relata Benevides. “É uma transfobia institucional. Muitas vezes não vai ser dito claramente, mas vão buscar desculpas para justificar uma desconfiança anterior. A Keila foi considerada automaticamente suspeita, ainda que tenha apresentado os mesmos documentos do restante da delegação.”
O direito à mudança de sexo no registro civil sem a necessidade de cirurgia, avaliação médica e psicológica ou autorização judicial foi definido por uma sentença de 2018 do STF (Supremo Tribunal Federal).
Mas a Antra estima que ao menos 70% da população trans brasileira não tenha retificado o nome nos documentos. “O respeito aos direitos das pessoas trans não pode estar condicionado à retificação. Inclusive porque é um direito recente, ainda em fase de consolidação, que tem um custo, envolve entraves administrativos”, diz Benevides.
De acordo com ela, a associação vai buscar medidas de reparação. “Queremos que o Estado do México reconheça que houve uma violação ao direito fundamental à identidade de gênero e que possa implementar um protocolo de atendimento a viajantes trans. E também que a deportação dela seja anulada, pois tem implicações inclusive para ela voltar ao país.”
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