(FOLHAPRESS) – O internauta desavisado se assusta com o visual poluído, cheio de pop-ups que saltam na tela, prometendo preços entre 50% e 80% mais baixos ou que pedem insistentemente o seu e-mail para cadastro. Existe ainda uma infinidade de cupons coloridos que garantem frete grátis ou desconto na primeira compra. Algumas expressões também soam esquisitas, como “depressa em breve”, para avisar sobre a promoção que tem hora para acabar.
A despeito do estranhamento inicial, os brasileiros têm feito cada vez mais compras em sites estrangeiros de origem asiática, como Shopee, Shein e Aliexpress. Pesquisa da consultoria NielsenIQ|ebit, em parceria com a Bexs Pay, apontou que o faturamento dos sites cross-border (internacionais) disparou 60% no ano passado e atingiu R$ 36,2 bilhões. O montante representa cerca de 17% do comércio online no país, que faturou R$ 218,9 bilhões em 2021.
Considerando apenas as compras em sites que operam a partir do Brasil, o comércio eletrônico somou R$ 182,7 bilhões no ano passado.
O levantamento apontou que a Shopee é a mais popular entre os internautas brasileiros: 58% deles adquiriram alguma coisa no site da varejista em 2021, contra 8% no ano anterior. Outro salto foi a da Shein, especializada em moda, que foi de 0% a 21% dos consumidores online no ano passado.
“Nesses sites, o consumidor vê como principal benefício o preço baixo”, diz o diretor de ecommerce da NielsenIQ|Ebit, Marcelo Osanai. “O bom desempenho no Brasil tem feito com que essas empresas invistam em sellers [vendedores] nacionais e também procurem melhorar a sua logística, para entregar no menor tempo possível”, afirma.
Hoje a média de espera é de 28 dias -mas há três anos esse prazo estava em 42 dias, segundo Osanai. Em março, o Aliexpress, do Alibaba, contratou um voo semanal da Qatar Airways para operar a rota Hong Kong-São Paulo, a fim de agilizar a entrega.
Dos 87,7 milhões de compradores online no Brasil, 68% (mais de dois a cada três) adquiriram produtos importados em 2021, aponta a pesquisa da NielsenIQ|ebit. As categorias mais acessadas foram moda (38%), eletrônicos (36%) e casa e decoração (24%). Este ano, 71% pretendem continuar comprando, com destaque para eletrônicos (48%), moda e acessórios (45%) e informática (35%).
Enquanto Shopee e Shein cresceram, Aliexpress desacelerou no ano passado, embora sua parcela continue expressiva -de 52% para 44% dos internautas brasileiros compraram no site em 2021.
“Aliexpress perdeu espaço para os outros sites asiáticos, porque não se movimentou muito em termos de marketing”, diz Osanai. A empresa, porém, parece que aprendeu a lição: no mês passado, lançou uma campanha com a influencer Gkay, assinada pela AlmapBBDO, sob o mote “farofa do Ali”.
Também a Shopee investiu em uma campanha nacional estrelada pela banda Barões da Pisadinha, em comemoração ao Dia do Consumidor, em 15 de março.
“Os grandes sites estrangeiros vêm investindo pesado nas ações de marketing em mídias sociais, com destaque para o TikTok, nos links patrocinados e nos anúncios do Google”, diz Osanai.
Por outro lado, segundo a pesquisa, os americanos Amazon, Wish eBay perderam a preferência do internauta brasileiro. “Mas no caso da Amazon quem perdeu espaço foi o site americano, possivelmente para a própria versão brasileira”, afirma o executivo da NielsenIQ|Ebit.
DE RELÓGIOS A PERUCAS, PASSANDO POR VIBRADORES
Preço baixo, entrega mais ágil e forte presença na mídia digital não é tudo. Variedade é outra palavra de ordem nos sites de comércio eletrônico asiáticos. No marketplace Shopee, por exemplo, é possível comprar de short jeans a vibradores, passando por estojos para lentes de contato.
No Aliexpress, encontra-se de adesivos de unha e perucas a relógios e furadeiras sem fio. Já na Shein é possível encontrar 80 mil opções de vestidos a partir de R$ 15 e 9,7 mil calças cujos preços começam em R$ 19.
Considerada a “Zara da China” -pela rapidez impressionante de produção de novas coleções e logística azeitada que faz com que os produtos cheguem a mais de 150 países-, a Shein (lê-se xi-in) abriu uma loja pop-up (temporária) no Rio no mês passado, no shopping Village Mall, concebida pela agência V3A.
“Os apps da Shopee e da Shein foram os aplicativos de varejo mais baixados do Brasil no ano passado”, diz o consultor de varejo Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail. De acordo com a empresa de desenvolvimento de software e análise de mercado EmizenTech, cada um deles teve mais de 100 milhões de downloads em 2021.
A preferência dos brasileiros pelos varejistas asiáticos já vem incomodando os competidores nacionais. No final de março, a Receita Federal informou que estuda uma MP (Medida Provisória) para impedir que empresas de comércio eletrônico estrangeiras vendam mercadorias para brasileiros sem pagar os devidos impostos.
Para varejistas brasileiros, trata-se de um “camelódromo digital”: os asiáticos estariam aproveitando um trecho da legislação que autoriza a pessoa física a enviar bens estrangeiros a outra pessoa física no Brasil sem pagar impostos, desde que o valor da mercadoria fique abaixo de US$ 50.
No Brasil, os maiores competidores do varejo online nacional são Mercado Livre, Americanas, Magazine Luiza e Via (Casas Bahia e Ponto Frio), nesta ordem.
“Embora trabalhem com produtos de maior valor agregado, especialmente eletroeletrônicos e eletrodomésticos, esses sites aumentam cada vez mais o mix da chamada ‘cauda longa’, produtos de menor tíquete médio e maior giro, entrando na concorrência direta com os sites asiáticos”, diz Danniela Eiger, analista de varejo da XP. “Os estrangeiros são um risco a ser monitorado pelos brasileiros.”
Por enquanto, os marketplaces brasileiros se sentem incomodados, mas não ameaçados, na opinião de Iago Souza, analista da Genial Investimentos. “Os asiáticos teriam que trabalhar com produtos mais caros para se tornarem, realmente, uma ameaça”, diz ele. “De qualquer forma, o grupo Sea, dono da Shopee, já deixou claro que Brasil e México são as prioridades da companhia”.
Na opinião de Serrentino, é preciso tornar a competição isonômica, mas não engessada. “É importante fomentar essa disputa, quem ganha com isso é o consumidor”, afirma.
O consultor Eugênio Foganholo, da Mixxer Desenvolvimento Empresarial, chama a atenção para a rapidez do fenômeno asiático no Brasil. “Em um ano, Shopee e Shein estouraram”, diz.
De acordo com a pesquisa da NielsenIQ|Ebit, 26% dos consumidores conheceram os sites no ano passado por indicação de amigos. “Isso dá uma vantagem competitiva muito grande, é o marketing boca a boca, que reduz o custo de aquisição de cliente”, diz Foganholo.
O crescimento das asiáticas, especialmente da Shein, vem ganhando espaço na pauta da indústria e do varejo têxtil. Para a Abvtex (Associação Brasileira do Varejo Têxtil), a preocupação com os marketplaces internacionais é similar àquela que a entidade dedica à informalidade no setor -que chega a quase 35% de tudo o que é vendido.
Edmundo Lima, diretor-executivo da associação, diz que sem o pagamento de ICMS, PIS e Cofins, esses sites chegam a preços muito mais competitivos na comparação com os produtos nacionais.
Outro ponto de desconforto é a falta de transparência nas relações trabalhistas.
Enquanto crescem, no setor, iniciativas de monitoramento das cadeias de fornecimento -a própria Abvtex tem um programa de fiscalização, auditoria e certificação-, sabe-se muito pouco das condições em que são produzidas as roupas nesses sites.
Procurada pela Folha, a Shein não atendeu ao pedido de entrevista. O Alibaba, controlador da Aliexpress, está em período de silêncio, antes da divulgação de resultados trimestrais.
Já a Shopee informou, por meio de nota, que oferece no Brasil uma “experiência de compra fácil, segura e divertida” e que “mais de 85% das vendas são de vendedores brasileiros”. Segundo a empresa, a conquista de consumidores é resultado da sua “estratégia de gamificação” (jogos e recompensas em Moedas Shopee, que funcionam como cashback) e das campanhas de marketing com cupons de desconto e de frete grátis.
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