(FOLHAPRESS) – Em meio ao avanço de casos de varíola dos macacos, organizadores de festas LGBTQIA+ decidiram adiar edições que estavam programadas para este mês a fim de evitar a propagação da doença.
Apesar disso, eles lamentam que a iniciativa de evitar aglomerações se restringe à comunidade gay, enquanto festas com público de maioria heterossexual continuam acontecendo normalmente.
A transmissão do vírus que causa a doença ocorre principalmente pelo contato direto com as lesões que a doença causa nos pacientes. No surto atual, a maior parte dos casos tem associação com atividade sexual, mas qualquer pessoa está sujeita a doença. Já foram registrados casos em crianças e em pessoas sem histórico sexual recente.
Uma das festas adiadas foi a Kevin, realizada desde 2015 em São Paulo. Frequentada sobretudo por homens gays, a festa é regada a nudez e adereços sexuais de cunho fetichista.
Sua última edição ocorreu em 23 de julho, mesma data em que a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou a varíola dos macacos como emergência pública de preocupação global.
Não há expectativas para novas edições. “Decidimos esperar até termos algo mais definido sobre procedimentos seguros ou não dada a natureza da festa”, afirma Rafael Maia, produtor do evento.
Outro evento que passa por um cenário semelhante é a Horny. Ela é realizada todo mês, desde 2017, em Belo Horizonte. Durante a pandemia de Covid-19, foi suspensa, porém voltou a ocorrer em janeiro deste ano. Agora, os organizadores decidiram novamente suspendê-la -a edição de agosto ia acontecer no dia 20, mas foi cancelada.
“A gente decidiu se precaver. Sempre ficamos antenados com o que está acontecendo e resolvemos dar esse primeiro passo”, diz Thales Albuquerque, produtor e idealizador da Horny.
Para ele, é importante que as festas repassem ao público informações sobre a doença. “Eu queria muito que outras festas se posicionassem. Nem se fosse só para alertar e passar a informação, porque acho que, neste momento, o principal é informar […] ao invés de fingir que não tem nada acontecendo.”
A Dando também é outro evento que optou por cancelar a edição mais recente -ela ocorreria no último sábado (6). Em posts publicados nas redes sociais, os organizadores disseram que decidiram suspender a festa após conversas com órgãos públicos e infectologistas. Também divulgaram informações acerca da doença, como prevenção e sintomas.
A Senta é uma festa online que nasceu durante a pandemia e está prevista para ter a primeira edição presencial em setembro. Por enquanto, o evento fora das telas de computadores e celulares está mantido, mas pode ser alterado a depender da disseminação da varíola dos macacos.
O produtor da festa, Uno Volto, afirma que é importante haver um maior esforço para providenciar vacinas à população. Uma comunicação mais efetiva, com informações sobre transmissão e sintomas da doença, também é defendida por ele.
Em relação a festas, Volto defende que as precauções também devem ser tomadas por outros eventos de grande porte. “O cuidado deveria ser principalmente para aglomerações que juntam muitas pessoas de diferentes cidades, evitando que a doença saia de núcleos onde hoje se encontra.”
Nesta terça (9), a Brutus foi outro evento do público gay que anunciou o cancelamento da edição planejada para este sábado (13). “Não aceitaremos passivamente a condição HSH [homens que fazem sexo com outros homens] como grupo de risco, e continuaremos cobrando soluções concretas dos órgãos responsáveis”, escreveu a festa em um post no Instagram.
Atualmente, a maioria dos casos são registrados em homens que mantêm atividades sexuais com outros homens. O cenário, no entanto, gera receio de estigmatização dessa população.
PRECONCEITO
Os cancelamentos de festas destinadas à população LGBT+ não são seguidos pelos eventos que atendem a população heterossexual, diz Maia, o produtor da Kevin. Para ele, isso é um motivo de indignação.
“O que mais incomoda é ter festas de sexo que são gay e LGBT+ sendo ‘forçadas’ a parar […] enquanto shows e casas de sexo ‘hétero’ (como as de swing), por exemplo, sequer são cobradas por essa questão”, afirma.
O produtor acredita que os cancelamentos somente nas festas LGBT+ pode reforçar a ideia de que a varíola dos macacos é uma doença exclusiva da comunidade.
Julio Croda, médico infectologista e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, afirma que eventos direcionados à população heterossexual também devem tomar medidas preventivas. “A doença não se limita a um grupo específico, como orientação sexual.”
O infectologista diz que o problema não são as festas em si, mas o risco que representam de contato com as lesões causadas pela doença. “A questão não é a festa propriamente dita, mas é o contato íntimo, principalmente através do sexo.”
Estudos do surto atual indicam que a maior parte das infecções ocorrem durante o sexo. Dessa forma, as festas sexuais, independentemente do público, são ambientes de maior exposição a múltiplos parceiros e, por isso, representam maior risco para a doença.
“Nós temos que reduzir a transmissão. Este é um momento importante, principalmente até a chegada da vacina”, completa o infectologista.
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