MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – A Europa vive em 2022 mais um verão em que o calor, a seca e os incêndios preocupam os meteorologistas e castigam a população. Enquanto alguns recordes ainda não foram batidos –na Espanha chegamos a 45,9°C agora, contra 47,6°C do ano passado–, outras marcas vão caindo a cada dia.
Na segunda-feira (1º), o serviço meteorológico da França informou que as chuvas de julho atingiram apenas 9,7 mm no país, queda de 84% em relação à média dos últimos 30 anos. A seca é a segunda mais severa desde 1961, que obrigou os fazendeiros franceses a limitar severamente o uso de água nas plantações e para os animais –que ainda sofrem devido à parca quantidade de verde no pasto.
No rio Reno, que corre parcialmente pela fronteira entre França e Alemanha, barcos de transporte estão trabalhando com um terço da capacidade, uma vez que, se estivessem mais pesados, bateriam com seus cascos no fundo do rio.
“Temos apenas 12% das chuvas de que precisamos”, disse o ministro do Ambiente francês, Christophe Bechu, em um programa de TV. “É uma onda de calor que aumenta a necessidade de água e uma seca que limita a água disponível, criando um círculo vicioso.”
A Inglaterra também viu as regiões sul e leste de seu território baterem recordes de pouca chuva durante os meses de julho desde que a agência meteorológica começou a funcionar, em 1836. Em relação ao país todo, o Met Office acrescentou que os 23,1 mm de chuva de 2022 configuram o julho mais seco desde 1935.
É claro que a seca vem acompanhada por altas de temperatura assombrosas. A Inglaterra viu seus termômetros baterem os 40°C pela primeira vez desde que as medições começaram. As mortes atribuídas direta ou indiretamente ao calor se contam aos milhares; na Espanha, já ultrapassam as 2.000.
Enquanto isso, medidas de contingência vão sendo adotadas, principalmente na parte ocidental do continente, uma vez que agosto não dá mostras de que trará um refresco. A Inglaterra se prepara para anunciar restrições ao uso de água, e a Holanda declarou oficialmente que o país está em escassez, pedindo que a população passe a economizar. O governo holandês também formou uma comissão para estudar medidas que ajudem a gerenciar o suprimento restante.
Já a Espanha acaba de anunciar uma série de medidas, não só devido ao calor, mas também à crise energética que ameaça a Europa por causa da Guerra da Ucrânia e da diminuição no fornecimento de gás russo.
A partir de agora, o ar-condicionado de qualquer loja, edifício público, bar, restaurante e espaços do tipo não poderá ser programado para menos do que 27°C. Os limites se estendem até novembro, quando a calefação dos aparelhos também não poderá produzir calor superior a 19°C. Além disso, as lojas deverão desligar a luz das vitrines todas as noites e manter as portas fechadas, para que o ar frio (ou quente) não se dissipe.
FUSO HORÁRIO ALINHADO A HITLER
A Espanha vive ainda uma situação peculiar por culpa de seu estranho fuso horário. Fosse adotado aquele alinhado à região a qual o país pertence, o relógio espanhol seguiria os da Inglaterra e de Portugal, e o sol se poria mais cedo.
Mas o país está no mesmo fuso da Europa Central desde 1940, quando o ditador Francisco Franco (1892-1975) anunciou que a Espanha passaria a seguir o horário de Berlim, para agradar ao líder nazista Adolf Hitler. Naquele momento, a Alemanha estava em alta na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e, com o fim do conflito, a medida não foi revista.
Essa é a razão pela qual os espanhóis costumam almoçar (a partir das 13h) e jantar (não antes das 21h) tarde e de suas casas noturnas não abrirem antes da meia-noite. Foi uma adequação ao horário em que viviam antes da mudança, há 82 anos. Para a maioria dos turistas, no entanto, a hora a mais de sol se traduz em mais calor no verão.
Volta e meia esse debate retorna à política espanhola, mas, segundo o historiador Maximiliano Fuentes Codera, professor da Universidade de Girona, na Catalunha, uma reversão ao fuso horário geográfico parece difícil agora.
“Acho que o fato de os dias de verão durarem mais aqui do que em outros países europeus virou parte da cultura espanhola há algumas décadas. E você sabe, o turismo é uma das principais indústrias da Espanha”, disse ele à reportagem.
Quando assumiu, em 2018, o primeiro-ministro Pedro Sánchez montou um grupo de especialistas para estudar a mudança para o horário original, mas a comissão sugeriu que nada acontecesse: “Depois de 80 anos com esse horário, a população espanhola se adaptou a ele e não há razão suficiente para mudá-lo”.
O governo das ilhas Canárias –aliás, única região com uma hora a menos no país– inclusive ameaçou tirar o apoio a Sánchez se a Espanha diminuísse em uma hora o seu fuso. Um dos slogans das ilhas é “uma a menos nas Canárias”.
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